Coincidindo com a abertura de uma expressiva exposição de azulejaria no Convento de São Paulo – provavelmente o mais importante santuário do azulejo religioso em Portugal – a Fundação Henrique Leote apresentou o Quórum Ballet para um grupo de convidados maioritariamente das zonas de Évora e Lisboa.
O director e coreógrafo da companhia sediada nos Recreios da Amadora, Daniel Cardoso, escolheu para o evento “Nous – Inner perception”, uma peça facilmente adaptável ao exíguo espaço do altar da igreja velha, há muito desactivada como templo católico. Na verdade, a incomensurável riqueza temática dos preciosos e extensos frisos de azulejos que decoram as paredes do espantoso lugar (alusivos aos antigo e novo Testamentos), poderiam servir de inspiração para inúmeros bailados, porém, os organizadores optaram por levar ao Alentejo uma dança abstracta muito dependente do forte empenhamento físico dos artistas e de uma iluminação bastante dramática, com assinatura de Rui Daniel.
Num espaço outrora sagrado – em que a cegueira das almas inquietas deu lugar a sensações que assolam o mais desprevenido dos visitantes ao pisar terrenos de mistérios centenários -, a obra de Daniel Cardoso quase funcionou como linguagem aglutinadora. “Nous”, reduzido a dois casais (Elson Ferreira, Filipe Narciso, Inês Godinho e Mathilde Gilhet) prima pelo alto nível de energia, movimentos ondulantes ou sincopados – quase sempre rasteiros – e sequências algo silenciosas que se repartiram por solos, duetos masculinos, femininos e mistos, trios e alguns conjuntos. Curiosamente, um dos mais inusitados termina com as duas raparigas abraçadas que vão explorando os respectivos corpos. E o dueto mais impressionante foi protagonizado pelos dois bailarinos numa espécie de competição cinética. Os trajes dos artistas, soltos, trespassados por transparências e cortados em barras, contribuíram para o ambiente que alguns fumos ajudaram a criar (mesmo antes da aparição dos bailarinos em cena) que foi complementado por uma sequência musical em que pontuou o piano e instrumentos de cordas, creditada a vários autores contemporâneos. A obra, com pouco menos de uma hora de duração, terminou como a mesma placitude com que começou e com os artistas caminhando pausadamente ao mesmo tempo que focavam o público em jeito de descoberta.
A supra citada exposição, intitulada “Rota do Azulejo padrão do século XV ao XX” (pertencente à Colecção Feliciano David-Graciete Rodrigues, de Aveiro), está patente ao público até ao Verão no claustro e igreja principal do hotel-convento, uma jóia arquitectónica imperdível, no coração da Serra d’Ossa, algures entre Estremoz e Redondo.