Umas quatro décadas medeiam entre o seu solo (oficial) de estreia, Pas-de-Pepsi – criado em Nova Iorque tendo por “partner” um carrinho metálico de supermercado – e a peça, MOMO, que Ohad Naharin estreou no início do corrente ano em Tel-Aviv.
Longe vai tempo em que o jovem israelita (vindo dos kibutzim – colectividades colectivas judias) começou por dançar, em 1974, com a Batsheva Dance Company – fundada em Israel por Martha Graham e pela baronesa Bethsabée de Rothschild, em 1964 – antes de partir para a América para integrar a companhia de Graham.
De pai bailarino, professor e coreógrafo, Ohad Naharin, nasceu em 1952, frequentou a Juilliard School e a School of the American Ballet (escola de Balanchine) em Nova Iorque e dançou uma temporada em Bruxelas com o Ballet do Século XX, de Maurice Béjart.
Uma das suas primeiras criações de sucesso, já nos anos 1980, foi Tabula Rasa, para os alunos da Tisch School of the Arts (Universidade de Nova Iorque), antes de iniciar uma carreira de enorme sucesso a nível internacional. Que o levou a coreografar e a remontar obras para algumas das maiores companhias de dança a nível mundial, tendo mantido uma relação muito particular com o extinto Ballet Gulbenkian. A Companhia Nacional de Bailado, curiosamente, herdou da Gulbenkian a divertida peça Axioma 7, que, aliás, se mantém em reportório.
Desta vez, o famoso e muito premiado criador do Movimento Gaga – que abandonou a direcção da Batsheva em 2018, mantendo-se como coreógrafo residente -, não veio a Lisboa, onde a companhia se apresentou a 13 e 14 de Julho no Centro Cultural de Belém, integrada no 40ª Festival (que já foi de Teatro) de Almada.
MOMO, coreografado com a cumplicidade/contribuição de Ariel Cohen e dos próprios bailarinos, apresenta uma estrutura aparentemente simples, com um quarteto masculino inicial no qual se “integram” sete (excelentes e expressivos intérpretes) raparigas e rapazes em frente de uma parede cinzenta com pegas salientes na sua superfície.
Fear Of Missing Out (FOMO), em português, “medo de se perder” é um acrónimo utilizado na língua inglesa que Ohad transformou em MOMO (Magic Of Missing Out) a “magia de se perder”, para dar título a uma composição coreográfica vibrante e interpretada com garra e enorme sentido teatral.
De um modo geral, os quatro rapazes de calças e tronco nu, com um aspecto algo sonâmbulo, executam – ao longo de uma hora e dez minutos – movimento lento e contínuo, ou extremamente rápido, mas sempre em uníssono, e bastante contido, que chega até a ser engraçado. Sobretudo quando três deles em linha e apoiados nos joelhos e mãos, metem o nariz no orifício do que está em frente, o que parece não ser muito adequado. Também surgem na peça algumas referências (mais ou menos cómicas ou desbragadas) à dança clássica com os outros bailarinos soltos, frenéticos e efusivos a contorcerem-se em cima de pequenas barras ou a executar exercícios aos gritos, enquanto o quarteto atrás citado, por momentos, se torna um espectador daquela cena sentado a uma certa altura do solo na parede do fundo. Há qualquer coisa de intrigante, ao longo de todo o espectáculo, já que existe sempre um bloco humano que sugere uma certa ordem (um eventual controlo que poderá ser social e político) e um outro em que cada um pode, individualmente, passar uma mensagem de liberdade e desprendimento. Ainda que, posteriormente, acabe por se encaixar na norma e, eventualmente, aceitar um certo nível de formatação que poderá ser física, mas, também, mental.
A composição, em que o quarteto surge em contraponto com os restantes elementos, em determinadas alturas, mostra-se bastante engenhosa e, sobretudo, com momentos de uma graciosa fluidez. E em que cada um dos sete “solistas” tem oportunidade de brilhar em prestações individuais, de grande intensidade e forte efeito visual, em que cada um deles parece fazer saltar para fora tudo o que tem no interior do corpo.
Já perto do final, todos se alinham à boca de cena, e vão, um a um, executando curtos solos que sucessivamente se dissolvem no grupo que lentamente vai marcando uma linha de movimentos padronizados. De seguida, o sempre presente quarteto masculino permanece em cena envolvido no seu próprio momentum, enquanto os restantes elementos fazem uso do cenário subindo a parede e desaparecendo por trás dela.
A peças gravadas de Laurie Anderson, do Kronos Quartet, de Philip Glass e de outros, por vezes parecem sobrepor-se, resultam num esquema musical certeiro e num bom veículo de acompanhamento do movimento desenvolvido em cena. Os figurinos da peça são assinados por Eri Nakamura – que faz parte do elenco e, por sinal, é a segunda mulher de Ohad Naharin – e a excelente iluminação é da conhecida Bambi, uma artista israelita cujo verdadeiro nome é Avi Bueno.
Fotos: Ascaf