Pela mão da Culturgest pudemos ver em Lisboa e no Porto (Serralves) uma velha peça da coreógrafa norte-americana Anna Halprin, desenterrada e “melhorada” pela francesa Anne Collod e um grupo de artistas-criadores com nome firmado na Europa.
Com vera Mantero (muito bem disposta) a cumprimentar os amigos, no vestíbulo do Grande Auditório, e os outros artistas – vestido de fatos pretos e camisas brancas – a deambularem entre os espectadores já se adivinhava o tipo de preparação “física” necessária a “parades & changes, replays” (1965).
Anne Collod – com a ajuda da quase nonagenária Halprin recuperou uma proposta da época em que “ninguém dançava nos espectáculos, guardando o frenesim do movimento para as noitadas de discotecas e drogas que se lhes seguiam” (nas palavras do compositor de música minimal e repetitiva, Steve Reich, que trabalhou com Halprin e muitos outros coreógrafos, designadamente Laura Dean.
Como algo de muito semelhante se passa hoje com os “coreógrafos portugueses contemporâneos” que, em cena, “pouco mais fazem que fingir que dançam”… basta fazer as contas para ver quantos anos de atraso estamos em relação aos EUA!
Danças “pedestres” e de “cumprimento de tarefas” – algumas das quais com algum despe e veste com ar casual e deliberadamente assexuado para contrastar com a lassidão hippie da época – hoje, têm que ser, inevitavelmente, perspectivadas dentro do respectivo enquadramento histórico. Era a época do “qualquer um pode fazer qualquer coisa” que, para além das mais ou menos interessantes “performances”, da dança “in situ” e da “conceptual” pouco mais deixou de legado que meras lembranças e fotos que ficaram para a História.
Curiosamente, alguns destes conceitos voltaram em força e em forma de “dança” adoptada em escolas, teatros e festivais no início do século XXI. Tem dado muito jeito a quem faz da dança uma actividade “casual” e de “impulso” com os parcos resultados que se podem ver na incompetência da gestão de meios “coreográficos” e na falta mais completa ausência de densidade dramática. Tudo isso conotado com uma espécie de pós-modernismo “periférico” em que embarcaram em Portugal a maioria dos coreógrafos com menos de 30 anos.
Ainda que com largas faixas de improvisação, “parades & changes, replays” trata-se de um trabalho reproduzível. O que, afinal de contas, já é uma grande vantagem em relação a tantas peças que sabendo os seus autores da sua fragilidade em relação ao tempo, nem sequer colocam a hipótese da sua sobrevivência para além do dia da estreia. A verdade é que, visto por outro prisma, este tipo de obras permite aos espectadores estar presente no momento das repetidas “criações” o que cria um sentimento curioso em relação à própria obra de arte!
A velha peça de Anna Halprin começou com um dos intérpretes a fazer de maestro à frente do palco, conduzindo uma sequência de frases soltas e interrompíveis ditas por cada um dos intérpretes.
A cenografia resume-se a um imenso telão branco suspenso da teia e que, ao longo de hora e meia vai adquirindo diversas formas. A “paisagem musical” de Morton Subotnick – um compositor que investiu na música electrónica experimentalista – é apenas quebrada por uma ou outra canção popular da época.
Os sucessivos quadros, com alguma nudez à mistura e muito papel a rasgar-se e uma enorme quantidade de objectos e roupas, jogados em cena ao acaso com um visual desarrumado e completamente inconsequente, formam uma peça em que nuca se sabe quando começa e como pode acabar!
Será esse o “encanto” de “parades & changes, replays” 40 e tal anos depois da sua criação?