O Festival de Sintra, especialmente no que toca à área da dança, tem vindo não só a perder brilho em termos de companhias mas, acima de tudo, ao nível do número de espectadores, caiu drasticamente.
Esta premissa não só coincidiu com a direcção artística de Vasco Wellenkamp – também à frente da Companhia Nacional de Bailado – como também com o abandono (em muito má hora) do conceito “noites de bailado” estivais realizadas nos belíssimos jardins do Palácio de Seteais.
A coisa reduziu-se a um nível tão “personalizado”- e com um impacto tão reduzido em termos de escolhas de companhias – que este ano temos apenas grupos pertencentes ao estreio mundo de Wellenkamp, designadamente à sua própria Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo. Sob a direcção (mais ou menos temporária de Liliana Mendonça) o grupo apresentou duas estreias mundiais no Centro Olga de Cadaval, da autoria respectivamente de Clara Andermatt e do casal Denise Namura-Michel Bugdahn.
A primeira é um “exercício” muito ao estilo da coreógrafa em que os onze bailarinos acabam com uma desbragada sessão de guinchos e gritaria depois de terem agitado as “asas”, dado à "cauda", redopiado, corrido e deslizado pelo palco e feito outras habilidades mais ou menos improvisadas.
Cinco homens de “kilts” – com uma atitude e postura meio “hooligan” de bocas escancaradas e olhos esbugalhados – e quatro mulheres com umas roupas arrepanhadas, estraçalhadas e de gosto muito duvidoso, ora permanecem separados ora se juntam, sem um objectivo rapport entre sexos. Excepto quando simulam cópulas em posições mais ou menos “kamasutrícas”, enquanto um dos bailarinos permanece ausente como uma qualquer testemunha indiferente.
A música, dentro do espírito agressivo da obra que se intitula “O Toque”, é de Vitor Rua. Parafraseando o “Bardo de Avon”, bem se poderia chamar a esta dança de Clara Andermatt “Muito barulho.. para pouca coisa”, já que o movimento abstracto e o tema em nada adiantam a um estilo, algo cristalizado, que a coreógrafa, há anos, tem vindo a exibir, umas vezes com mais aceitação do público do que outras!
Também focados e muito envolvidos no trabalho, surgiram os bailarinos em “Salto Imortale”, sobre uma colagem musical baseada em temas de Wim Mertens, o conhecido compositor minimalista belga.
Num registo completamente oposto, de cariz contemplativo e sentimental, a obra do casal franco-brasileiro, baseada num conto de Guimarães Rosa, dura mais de meia hora e apresenta uma linguagem coreográfica bem trabalhada, depurada e com subtilezas várias… Muito desenhado no espaço, dominado por um sofá e uma telefonia antiga, ao centro, o trabalho é, no seu conjunto, discreto, porém rico em sugestões e memórias.
A única pessoa que sobressai do grupo é a bailarina Susana Lima que, durante bastante tempo, se contorce em cima do sofá acima mencionado e que neste trabalho mostra carisma e excelente presença sem, no entanto, fazer jus aos belíssimos atributos técnicos que lhe são reconhecidos.
No que toca à iluminação, ambas as peças ganharam com uns focos verticais e outros engenhosos artifícios, sobretudo “Salto Imortale”, cujo desenho de luzes foi assinado pelo próprio coreógrafo, Michel Bugdahn.