O boletim clínico de Kazuo Ohno refere a sua morte, aos 103 anos, se deveu a insuficiência respiratória. Faleceu no Dia Mundial da Criança de 2010 – 1 de Junho – aquele que já a caminho dos cem anos, quando se apresentava em cena vestido de mulher, nos lembrava uma eterna criança.
Ohno, que estava internado num hospital de Yokohama, Kanagawa, morreu às 16h38 (hora do Japão).
Bailarino-actor e coreógrafo japonês, nasceu em 1906 na cidade de Hakodate, Hokkaido, filho de um pescador e uma especialista em cozinha francesa, e tornou-se uma referência no mundo das artes teatrais do século vinte, por ter criado nos anos 60, com o também já desaparecido Tatsumi Hijikata (1928-1986), o butô (Ankoku Butoh), um género de dança-teatro, também conhecido como “dança da completa escuridão”.
Já no final da sua carreira actuou – com o filho Yoshito Ohno – em Portugal uma única vez no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, em Julho de 94, com duas peças, “Nenúfares” e “Ka Cho Fu Getsu’” (Flores-Pássaros-Vento-Lua).
No entanto, o butô, uma forma de dança-teatro vanguardista, cujo visual muitos associam com o período negro dos bombardeamentos japoneses que atingiram Hiroshima e Nagasaki, já havia sido introduzido em Portugal pelo grupo Sankai Juku que se apresentou, designadamente, nos Encontros Acarte (da Fundação Calouste Gulbenkian) e no CCB, em Lisboa.
O estilo criado por Ohno, que, profissionalmente começou por ser professor de educação física e só aos 43 anos se dedicou às artes teatrais, é marcadamente espiritual, utiliza movimentos lentos e de grande precisão, acentuados por maquilhagem branca. A nudez e o travestismo – que Kazuo praticava em danças em que evocava a sua mãe ou a famosa bailarina de flamenco, Antonia Mercé, La Argentina– são também matrizes de um estilo que começou por ser algo radical e elitista mas que acabou por ser muito difundido, especialmente nos Estados Unidos, nos anos 80, e na Europa uma década depois. Diz-se que por influências políticas – a Alemanha foi aliada dos japoneses na Segunda Guerra Mundial – o butô recebeu também contributos da Dança Expressionista Germânica, tendo Ohno estudado com dois pioneiros da dança moderna no Japão que tinham sido discípulos de Mary Wigman.
Os seus solos, prenhes de ironia e ambiguidade, tal com uma moeda tinham duas faces bem distintas. Numa espelhava um visual algo grotesco ao colocar um corpo fragilizado de homem na pele de personagens femininas exuberantes e na outra, mais luminosa, exibia comportamentos que apontavam para o “ecológico” e abertos a uma espécie de alegre fantasia infantil. Sem, contudo, se desviar um milímetro de uma crueza, profundidade e humanismo, que lhe eram peculiares.
Segundo Maria Reis Lima, uma bailarina portuguesa que estudou com o mestre, em Yokohama, na segunda metade dos anos 90, Kazuo Ohno “desapareceu do mundo dos vivos mas deixou um legado imenso que vai continuar para além da sua morte e que será passado através das gerações por todos os que privaram e trabalharam com ele. Não só na dança mas também nas outras artes (teatro, artes plásticas, cinema e música)".
Ainda há pouco tempo – em 2009 – o cantor Antony and the Johnsons, que lhe chamava o seu “pai da arte”, lançou um CD, “The Crying Light”, dedicado ao artista e com uma foto sua na capa.
O Kazuo Ohno Dance Studio e Arquivos, em Yokohama, um espaço que o bailarino construiu no jardim da sua casa para trabalhar e receber os seus seguidores, continuará a ser dirigido por Yoshito Ohno, um dos dois filhos que lhe sobreviveram.