TERRA CHÃ NO CCB: A FORÇA DO CANTE ALENTEJANO

TERRA CHÃ NO CCB: A FORÇA DO CANTE ALENTEJANO

Há muito que a Companhia de Dança Contemporânea de Évora (CDCE) não se apresentava na capital portuguesa. Provavelmente, terá sido ainda antes do “cante alentejano” se ter tornado Património Cultural Imaterial da Humanidade.

Em homenagem ao “seu” Alentejo, a lisboeta Nélia Pinheiro – directora e coreógrafa residente da CDCE –  juntou um conhecido grupo de cantares “a cappella” de Castro Verde (Os Ganhões) a um conjunto de seis jovens bailarinos, também convidados. O numeroso grupo desceu as escadas laterais do Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, ao som de uma moda nas belas vozes masculinas para depois, literalmente, enterrar os pés num rectângulo coberto por terra branca. A mesma que, teoricamente, deu o nome ao espectáculo “Terra Chã” (planície).

Não foram exactamente “passarinhos cantando” que fizeram mexer Gonçalo Andrade, Fábio Blanco, Margarida Belo Costa,  Constança Couto, Yola Pinto e Fábio Simões, mais a coreógrafa da peça, durante cerca de uma hora. Nem, sequer, a luz da “bela aurora”. Se bem que a iluminação, muito a propósito, assinada por Paulo Graça, nos tivesse sugeridos os mágicos pores do sol sobre os extensos e tristes trigais que tão bem Florbela chorou nos seus sonetos.  

Uma certa ideia de “comunidade” ainda conseguiu prevalecer num trabalho sem aparente hierarquia narrativa e em que cantores e bailarinos estiveram sempre em palco mas, verdadeiramente, não se misturaram. O longo friso de homens alinhados decorativamente no fundo do palco, com os seus trajes típicos, nunca deixou de olhar com atenção todas as movimentações à sua frente. Sentados numas vinte e tal cadeiras, tanto eles como o público (em lados opostos) assistiram a solos, duetos, trios e conjuntos de bailarinos que, literalmente, voaram (atirados uns pelos outros) ou deslizaram com ímpeto sobre a terra… levantando pesadas nuvens de poeira. A peça, que apresenta fortes traços telúricos – no programa lê-se mesmo que as suas “personagens são tiradas de histórias da terra” – parece balançar-se entre forças magnéticas que fazem juntar os intérpretes ou os repelem com uma energia, por vezes, bastante incisiva.

Ainda que a música do islandês Ólafur Arnalds, numa mistura de cordas e piano em ciclos – com sonoridades entre o clássico e o pop – pouco tenha a ver com o canto chão alentejano, serviu de bom suporte às ideias coreográficas de Nélia Pinheiro. Que, só no fim, voltou a chamar o grupo ao centro do palco para acabar sozinho a cantar, depois de Gonçalo Andrade ter esmagado uma melancia e espremido o seu sumo vermelho sobre o rosto. A ele, aliás, se deveram os melhores momentos de dança de “Terra Chã”, inserido num grupo heterogéneo e em que os homens mostraram mais vigor e empenhamento enquanto as mulheres, por vezes, se diluíram numa moldura de “cenário” humano. Ou, simplesmente, foram encarregues de ir sobrepondo camadas de movimento, tocado pela banalidade do quotidiano e, sobretudo, com alguma falta de foco.   

Apesar de momentos bem articulados entre os bailarinos e alguns adereços (designadamente umas poucas cadeiras e uma mesa) que viajaram pela cena, na recta final da obra, sentiu-se uma certa falta de consistência na sua dramaturgia. Desde logo, na própria definição das personagens, vestidas por José António Tenente, que se manipularam, se rejeitaram, se agruparam e se dispersaram sem, nunca, realmente deixarem transparecer um qualquer motivo que justificasse a sua azáfama cénica!

Nos momentos finais da peça, quando mais cansados, os artistas, finalmente, aportaram ao espectáculo um certo espírito “alentejano”. A introdução de um regador que distribuiu repuxos de água (libertadora) sobre os bailarinos foi uma ideia muito bem conseguida, simples mas eficaz. Uma das mulheres, nos ombros de um bailarino, protagonizou uma pequena viagem proporcionando uma inusitada e passageira chuvada que ensopou as roupas dos colegas. Que, de seguida, se rebolaram no solo, terminando exaustos e empoeirados, e com os irreconhecíveis fatos que eram de tons de azul.

Quando os bailarinos deixaram o proscénio os “Ganhões” avançaram com uma moda final nas tocantes e libertadoras vozes de terras do além Tejo.

Fotos: Telmo Rocha

Published by Antonio Laginha

Autoria e redação

António Laginha, editor e autor da maioria dos textos da RD, escreve como aprendeu antes do pretenso Acordo Ortográfico de 1990, o qual não foi ratificado por todos os países de língua portuguesa.

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