Conhecida entre os colegas como Maria Bessa e entre os seus (muitos) alunos por Graça Bessa, Maria da Graça Amorim Bessa de Carvalho Rodrigues, nasceu em Lisboa a 12 de Julho de 1938 e faleceu no Centro Hospitalar do Oeste (Caldas da Rainha) no dia 19 de Junho de 2023.
Bailarina do Grupo Gulbenkian de Bailado – mais tarde Ballet Gulbenkian -, professora na Escola de Dança do Conservatório Nacional e na Academia de Dança Contemporânea de Setúbal e codirectora artística da Companhia de Dança Contemporânea (sedeada primeiro em Setúbal e depois em Alcobaça), fez os seus estudos iniciais de bailado com a professora Margarida de Abreu, no Círculo de Iniciação Coreográfica, em Lisboa.
Como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) continuou a sua aprendizagem em Londres, nas escolas do Ballet Rambert e do Ballet Real de Inglaterra (1858-1864), onde trabalhou especialmente com Marie Rambert, Pamela May e Peggy Van Praagh. No Reino Unido estudou também com Anna Northcote, Andrew Hardie e Joanna Denise.
Para um espectáculo da companhia apresentado na tarde de 31 Março de 1964 no Teatro Tivoli, “dedicado aos sócios do Centro Português de Bailado” a sua direcção (com John Auld na direcção artística e Bivar Salgado na executiva) provavelmente, também através da delegação da FCG do Reino Unido, convidou a bailarina, professora e coreógrafa Joanna Denise (1928-2010) com quem a jovem bolseira da Fundação, Maria da Graça Bessa, estudava em Londres. Joanna era, na altura, uma conceituada professora freelance na capital inglesa (juntamente com Anna Northcote e Errol Addison) e trouxe consigo, como convidado, o jovem e talentoso bailarino Jeffery Taylor – com quem casaria quatro anos depois e que se tornou crítico de dança e jornalista cultural. Denise esteve algumas semanas em Lisboa tendo coreografado um dueto, Magia do Vento (música de Liszt) que teve por intérpretes Jeffery Taylor e Maria (da Graça) Bessa que, no programa, surgem como “colaboradores” do Grupo Gulbenkian, e um bailado de conjunto, intitulado, L’Amour Dangereux (com música de Prokofiev). As obras dividiram o público tendo metade da plateia a aplaudir e outra metade a manifestar-se contra. Pelo que a coreógrafa e os dois bailarinos, que se apresentaram como solistas em ambas a peças, regressaram a Londres, sem que ela ficasse como directora do GGB, como era intenção da Fundação Gulbenkian.
Na temporada de 1964-65 Maria Bessa dançou no Grupo de Bailados Verde-Gaio, sob a direcção de Margarida de Abreu e Fernando Lima, tendo ingressado no Grupo Gulbenkian de Bailado em Novembro de 1965. Permaneceu naquela companhia até Setembro de 1973 – primeiro com Walter Gore na direcção e depois com Milko Sparemblek – tendo dançado muitas obras do seu reportório, designadamente “Il Ballo Delle Ingrate” (Gore – Monteverdi), “Brincadeiras de Rua” (Gore – Jacques Ibert), “Petruchka” (Fokine – Stravinski), Giselle – Pas-de-six – (Coralli/Perrot- Adam), “Odisseia do Ser” (Richard Kuch – Karl-Birger Blomdahl) e “Arquipélago III” (Carlos Trincheiras – André Boucourechliev).
Muito antes do 25 de Abril, altura em que não havia qualquer “acordo colectivo de trabalho” na Fundação Gulbenkian e eram habituais as reclamações para o Serviço de Música acerca da maneira pouco correcta com que os artistas achavam que eram tratados em digressão, Graça Bessa envolveu-se em várias lutas, juntamente com um restrito grupo de bailarinos, pela melhoria das condições de trabalho na companhia, tendo entrado em ruptura com o então director esloveno (Sparemblek) e a própria Madalena Perdigão, directora do Serviço de Música. A senhora Azeredo Perdigão, que fazia um excelente “serviço público” ao levar a dança para fora do seu auditório lisboeta, mostrava-se bastante comedida no valor que destinava à assistência em viagem aos bailarinos. Leia-se, por vezes a qualidade do alojamento e das refeições (sobretudo após os espectáculos) em locais com pouca oferta e a sobrecarga nos horários de trabalho, não correspondiam à espectativas dos artistas. Várias foram as vezes que os bailarinos reclamaram e ameaçaram fazer greve aos espectáculos ao encontrarem-se em situações difíceis, afastados das suas casas e famílias e do seu regular local de trabalho. Houve, mesmo, um acontecimento insólito, muito antes da “famosa” greve em Zagreb, Jugoslávia – a seguir ao 25 de Abril – que custou o emprego a alguns artistas:
Segundo Graça Bessa, logo a seguir à primeira viagem da companhia a Londres, que terminou a 14 de Julho de 73 no Sadler’s Wells, e imediatamente antes do espectáculo inaugural de uma digressão ao Algarve que se iniciou em Faro cerca de duas semanas depois, os bailarinos decidiram fazer greve antes do espectáculo, protestando contra as distâncias entre os palcos e os locais de alojamento e as condições financeiras impostas. Uma vez mais, a Gulbenkian escolhera um hotel com preço superior às ajudas de custo que por si decidiu atribuir aos artistas. A greve deu-se na véspera do espectáculo, à chegada do autocarro ao local para a aula e ensaio geral, os quais recusámos fazer. Durante a noite houve telefonemas por parte da equipe da direcção da companhia para a Gulbenkian e vice-versa até que de madrugada chegou uma comunicação da Fundação ameaçando com as “forças da ordem”, caso não levantássemos a greve. Depois de uma certa confusão e de algumas posições mais extremadas, por interferência directa dos representantes da Fundação, os artistas acabaram por não fazer greve e prosseguir a digressão como fora agendada em Lisboa, terminando em Lagos. No dia seguinte, depois do espectáculo em frente à Sé de Faro estava à espera de alguns artistas um funcionário da Fundação com cartas, cujo conteúdo apresentava traços de pura vingança, fazendo todo grupo de garantia de “aviso de recepção”. De regresso a Lisboa, o incidente teve repercussões para alguns dos bailarinos que foram punidos pela sua intervenção no protesto. Eu recebi uma “carta de despedimento” com efeito imediato a seguir à tournée e, tanto quanto recordo, o Patrick Hurde, a Elisa Worm e o António Rodrigues, meu marido, receberam “cartas de censura”. Para além de mais dois outros bailarinos de cujos nomes todos desconfiaram mas que permaneceram no anonimato. Vi apenas a do António que não aceitando as condições (indecentes) que lhe eram impostas para continuar no BG – entre elas a perda de direitos adquiridos – e, embora contra a vontade de Milko Sparembleck que o tentou dissuadir – optou também por sair. Como é fácil imaginar ainda hoje considero muito injusta a situação até porque dessa vez, nós os dois, nem tínhamos sido a “cabeça da greve”
De acordo com o director da companhia (Sparemblek) que mais tarde comentou o caso num elucidativo relatório (chamado da Jugoslávia):
O assunto das ajudas de custo no Algarve foi conduzido de modo assaz inábil, tanto duma parte como da outra (incluindo eu próprio), e a paz que se viria a estabelecer a seguir seria mais ou menos frágil. Após os acontecimentos do Algarve, estabeleceu-se um certo número de sanções; mas como estas, até aí, haviam sido bastante raras, inexistentes mesmo, deixam marcas profundas no espírito dos bailarinos sancionados, que as levam extremamente a peito” .
Segundo escritos de Carlos Pontes Leça, funcionário da FCG, o coreógrafo deixou o país, e o grupo, em Abril de 1975, após uma temporada “assinalada por graves perturbações na vida da Companhia […] reflexos do clima de instabilidade social e de crise de autoridade que se viveu por todo o país durante o primeiro ano e meio após a Revolução dos Cravos” (Leça, 1991, n.p.).
Graça Bessa, que foi despedida no fim da temporada de 72-73, tendo o seu marido, António Rodrigues, renunciado ao lugar de bailarino (solista) do GGB, por solidariedade para com os colegas, já se tinha iniciado na Notação Benesh, no Instituto de Coreologia de Londres (ICL), com Rudolph e Joan Benesh, de quem foi assistente no White Lodge (secção junior da Royal Ballet School), em 1961. Em 1969 voltou a estagiar no ICL onde obteve o Diploma de Professor.
Entre Junho de 1976 e Setembro de 1977, estudou Labanotaion no Dance Notation Bureau, em Nova Iorque, Alinhamento Estrutural com Zena Rommett e Anatomia Cinética com Irene Dowd.
De 1973 a 1985 leccionou de Coreologia na Escola de Dança do Conservatório Nacional, disciplina de que foi pioneira em Portugal.
Em 1982 fundou (com António Rodrigues) a Academia de Dança Contemporânea de Setúbal, instituição integrada na rede pública das escolas artísticas portuguesas, onde leccionou Improvisação, Composição, Alinhamento Estrutural e Técnica de Dança Clássica.
Da sua escola saíram inúmeros artistas que integraram os elencos do Ballet Gulbenkian, da Companhia Nacional de Bailado e de muitas companhias estrangeiras. Pela Pequena Companhia (grupo júnior) e pela CêDêCê passaram muitos jovens bailarinos e coreógrafos de nomeada, tendo o grupo mantido, ao longo de décadas, uma actividade regular de espectáculos, especialmente, no Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal.
Graça Bessa, que era prima da escritora Agustina Bessa-Luís, foi uma pedagoga extremamente devotada aos seus alunos e servida por uma visão rara e muito abrangente do ensino da dança. Artista de grande integridade, lutou durante quase toda a sua vida para se impor, primeiro como bailarina e, depois, como professora, sendo reconhecida como uma das principais gestoras e directoras de escolas de dança do país.
Em 1990 foi-lhe atribuída a medalha da cidade de Beauvais (França), por mérito cultural; em 1992 foi homenageada pela Câmara Municipal de Setúbal; em 1999 foi-lhe concedida pelo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, o grau de Comendador do Mérito e em 2002 recebeu o Troféu Costa Azul, por Serviço Público no domínio da cultura, atribuído pela Região de Turismo de Setúbal em nome dos seus 13 municípios.
Casada com o bailarino e coreógrafo António Rodrigues, sobreviveu-lhe também a filha de ambos, Sara Bessa Rodrigues.