DANÇA DE JOÃO FAZENDA: UM CONTO SEM PALAVRAS

DANÇA DE JOÃO FAZENDA: UM CONTO SEM PALAVRAS

O conhecido ilustrador João Fazenda (licenciado em Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa) editou pela Pato Lógico uma obra intitulada apenas “Dança”. Mas não é uma dança qualquer. Trata-se de um conto curto, sem palavras, que consubstancia uma proposta de dança imaginária que o autor preferiu não vir acompanhada por qualquer acompanhamento musical.

Artista português, amplamente premiado em Portugal e no estrangeiro – viveu cerca de uma década em Londres -, Fazenda tem colaborado regularmente com a imprensa nacional e estrangeira e realizado trabalhos para publicações de prestígio como a revista The New Yorker e jornais de topo como o New York Times (Estados Unidos da América) e o Expresso (Portugal).

Nascido em Lisboa, em 1979, João Fazenda é ilustrador e autor de banda desenhada, sendo o seu trabalho muito expressivo também na ilustração para imprensa e no cinema de animação. Ao longo do seu frutuoso percurso profissional tem também desenhado inúmeras capas de livros e de discos.

Por tal não é de estranhar que a supracitada obra tenha tudo a ver com o espírito da ilustração e a própria técnica da BD.

Há, porém, nos seus desenhos para este livro algo que nos remete para os famosos figurinos geometrizantes do Bailado Triádico (de Oskar Schelemmer, 1922) e para as maravilhosas pinturas com imagens voadoras de Mark Chagall (1887-1985) que se podem apreciar, por exemplo, no tecto do Palais Garnier – mais conhecido como o edifício da Ópera de Paris.

Fazenda parte, no seu conto, do elementar princípio de que quem dança é animado, colorido e feliz e que não dança é quadrado, cinzento e desastrado, podendo ser até penalizado pelos pingos da chuva! Essa espécie de “ingenuidade” atravessa todo o livro que tem apenas 36 páginas. E a mensagem mais óbvia que dele se extrai é que para aprender a dançar (e ser feliz) há que frequentar com dedicação uma escola. Depois é só tirar os sapatos e deixar a música entrar dentro de nós. Só assim o prazer da dança tem o céu como limite.

Não indo tão longe como a coreógrafa alemã Pina Bausch (1940-2009) que confrontou o mundo (muito antes da pandemia de Covid) com a célebre frase “dancem, dancem senão estamos perdidos”, Fazenda remete o leitor – sobretudo do mundo infanto-juvenil – para o perfume que pode exalar da música e para a exaltação dos corpos em movimento. Diz-se, popularmente, que “quem dança seus males espanta” – essa afirmação é tanto mais quanto menos tempo se tiver para pensar neles – mas o que João Fazenda insinua na sua “Dança” é que quem se liberta da escravidão dos atacadores dos sapatos poderá sair voando nas asas da fantasia.

A verdade é que para o autor, um qualquer homem – ainda que partilhe a vida com uma mulher disponível e amorosa -, se, no trabalho, for escravo da informática estará condenado a uma vida de aborrecimento e tédio.

Poder-se-á dizer que a melhor conclusão que se pode tirar desta moderna fábula sobre a vida contemporânea não é a frase latina “mens sana in corpore sano” (mente sã num corpo são), atribuída ao poeta Juvenal. Mas sim, numa época em que cada vez mais se acha que dançar é uma actividade artística acessível a qualquer pessoa, a verdadeira arte da dança não é coisa para amadores e requer um aturado estudo dependente de muitas horas de trabalho, concentração e grande investimento físico e artístico. A sua aprendizagem – ainda que não pretenda alcançar o topo do profissionalismo – deve ser feita com sentido de responsabilidade e integridade, pois o corpo e a mente humanos são os fiéis depositários de toda uma panóplia de argumentos que vinculam ao movimento à arte. E vice versa.

E é por isso que a “Dança” de Fazenda, para além de uma grande exuberância de cor e de movimento, plasma, sobretudo nas primeiras páginas, uma certa melancolia que quase nos faz lembrar o belíssimo quadro de Paula Rego intitulado O Baile, pintado em 1988 e que continua  em exposição em Londres, na Tate Gallery.

António Laginha

Published by Antonio Laginha

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Autoria e redação

António Laginha, editor e autor da maioria dos textos da RD, escreve como aprendeu antes do pretenso Acordo Ortográfico de 1990, o qual não foi ratificado por todos os países de língua portuguesa.

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