CNB EVOCA SEM SURPRESAS A FIGURA DO MAESTRO

CNB EVOCA SEM SURPRESAS A FIGURA DO MAESTRO

O segundo programa da temporada de 2019-2020 da Companhia Nacional de Bailado (CNB) surgiu, a seguir ao dia de S. Martinho no Teatro Camões, na forma de uma peça de Paulo Ribeiro que exibe em cena grupo de duas dezenas de supostos maestros. Os bailarinos, que quase sempre se espalham por todo o proscénio, vão repetidamente fingindo que dirigem, num misto de animação e brincadeira, partes de uma sinfonia de Dmitri Chostakovitch (1906-1975).


Segundo o coreógrafo são ”vinte maestros para várias orquestras imaginadas com uma única partitura”. Mas para o caso, a personagem de maestro ou polícia sinaleiro, iria com o mesmo entusiasmo ao encontro do pensamento do autor, inscrito no programa: uma pessoa de bem, um líder de boas causas e o epicentro de um movimento total.
A obra sem qualquer enredo é uma criação original tendente a enriquecer o reportório da nossa companhia estatal, se ela, na verdade, exibisse algo a que se pudesse, com alguma propriedade, chamar de reportório. Há anos que a companhia vive de acumulações de bailados sem que isso, alguma vez, se possa constituir como um reportório “nacional”, como é usual nas grandes companhias de dança “de bandeira”.
Por ironia, apesar de tanta gente em cena – o chamado núcleo “menos” clássico da CNB –, o que tem vindo a faltar há anos, para não dizer décadas, naquela instituição é um verdadeiro maestro. De preferência português, pois já tivemos muitos (e maus) mercenários naquela casa! Que saiba dos meandros da dança – e, porque não, em simultâneo, também de música? – que conheça o ofício dos bailarinos, professores e coreógrafos, que saiba o que é a gestão de um teatro nos aspectos técnicos e humanos, que goste de todos os trabalhadores (das mais diversas áreas), que tenha da dança uma ideia abrangente e histórica e que tenha mais faro para a arte do que para a política !


Voltando a O Maestro, um bailado que dura cerca de uma hora e que tem um título em francês, Le Chef d’Orquestre, provavelmente por ter sido contratualizado e concebido pelo próprio Ribeiro antes de sair da direcção da companhia, com o objectivo de o levar a Liège (Bélgica) no final de Janeiro do próximo ano.
No verdadeiro papel de maestro, Paulo Ribeiro que já brandiu a batuta no extinto Ballet Gulbenkian e também na CNB, tentou, desta vez, ter mais sucesso nesta empreitada, que se afigurava muito mais fácil. A peça, contudo, parece ser um pouco como a cortiça na água, flutua mas não assenta.


O movimento apresenta algumas faixas naquilo a que se poderá apelidar de “free style” ou, mesmo, “estilo personalizado”, sobretudo nos solos que nasceram do improviso de cada um dos interpretes. Já que, no que toca aos conjuntos, em geral, não são reveladores de particular criatividade. À mingua de ideias originais o coreógrafo serve-se do bom gingado dos intérpretes – vestidos engenhosamente por José António Tenente a preto e branco com combinações de bocados de peças de uma “farda” de um maestro clássico – de um sugestivo número de corpos que amplificam o movimento e de uma certa nonchalance na atitude e no gesto. A dança leve, solta e bem interpretada por um grupo jovem e muito generoso é, todavia, morna e sensaborona. Provavelmente uma daquelas criações “com a qual ou sem a qual o mundo fica tal” e a própria dança permanece igual!
Assim sendo, o que Paulo Ribeiro nos trouxe com este conjunto de maestros enérgicos e optimistas, vestidos cada um de sua maneira, foi mais do mesmo. O que faz com que, provavelmente, esta seja mais uma peça que (ao voltar da Bélgica) cairá, como tantas outras, no baú do esquecimento jamais conquistando o precioso estatuto de obra desejada e repetível e que, assim, ascenderia à nobre categoria de item de reportório.

Published by Antonio Laginha

Autoria e redação

António Laginha, editor e autor da maioria dos textos da RD, escreve como aprendeu antes do pretenso Acordo Ortográfico de 1990, o qual não foi ratificado por todos os países de língua portuguesa.

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