O diretor-geral do Ballet Bolchoi confirmou no dia 10 de Julho – na véspera da anunciada estreia – que a instituição adiou a estreia de um aguardado bailado sobre a vida de Rudolfo Nureyev. Contudo, rejeitou acusações de censura da parte do Estado, pelo facto da obra abordar temas ligados à homossexualidade.
O famoso teatro fizera um anúncio breve, três dias antes da data de estreia prevista para “Nureyev”, tendo a decisão causado estranheza na elite cultural russa.
Vladimir Urin, o diretor-geral do Bolchoi, frisou em entrevista coletiva que a administração a que preside, depois de ver o ensaio geral do espetáculo na semana passada, considerou que a coreografia de Yuri Possokhov “precisava de mais trabalho”.
Com um elenco constituído por mais de cem pessoas, incluindo cantores, actores e músicos, a peça requer “um alto nível de coordenação”, segundo Urin. “O cancelamento, certamente, prejudicará nossa reputação, mas para nós a qualidade está acima de qualquer pressa.”
O contraste entre o tema do espetáculo e o ênfase do actual governo nos “valores de família” resultou, de imediato, em acusações de que Urin tinha cedido a “pressões” do Kremlin.
Entre outros temas, o bailado aborda a “influência da homossexualidade de Nureyev sobre sua arte e a sua luta contra a Sida, que lhe causou a morte em 1993”. Em 2013, a Rússia aprovou uma lei que proíbe a divulgação de todo e qualquer caso que possa ser visto como “propaganda gay”. A suspeita, nos círculos culturais e na imprensa, de que se tratava de uma dança enaltecendo um homem gay que fugiu da União Soviética – no espetáculo fala-se sobre o facto da Rússia ter expulsado muitos dos seus talentos -, e levado a cena no mais prestigiado teatro do país, seria “intolerável” para o actual governo. Além disso, está também envolvido na obra Kirill Serebrennikov, considerado o mais inovador dos encenadores teatrais russos, que é também conhecido por zombar das convenções sociais. Serebrennikov foi detido para interrogatório em Maio passado, acusado de desfalcar fundos estatais. Tanto o seu apartamento como o Teatro Gógol, do qual é director artístico, foram alvos de buscas. Tal foi, na altura, considerado uma pura perseguição política. O artista não fez quaisquer comentários sobre o adiamento em causa mas disse a alguns amigos que, na sua opinião, a peça estava pronta para subir a cena.
“Nureyev” foi a segunda colaboração entre Serebrennikov, Possokhov e o compositor Iya Demutsky. A primeira, “Um Herói de Nossa Era” (2015), foi elogiada pela crítica como um grande avanço na rigidez da “estética” do Bolchoi. A expectativa era de que “Nureyev” fosse mais inovador e com potencial para atingir um público a nível mundial devido à fama do bailarino. Mas o facto é que já causou controvérsia muito antes de chegar ao palco. Um vídeo de ensaio que mostrava bailarinos a dançar de saltos altos foi divulgado por fontes não oficiais tendo provocado uma onda de “indignação”. Um site nacionalista apelou ao ministro do Interior, o conservador Vladimir Medinsky, para que o espetáculo fosse proibido. “O vídeo do ensaio é prova clara de que essa ‘criação’ é o tipo de propaganda que contraria as leis russas”, assinalava o site. De seguida a comunicação social russa sugeriu que esse tinha sido, mesmo, o motivo do cancelamento, ainda que tenham surgido especulações de que a produção precisaria de mais tempo para diluir as chamadas “referências gay”.
Tanto Urin quanto Medinsky negam que tenham sido consultados antes do referido cancelamento. “Não quero fazer disso uma discussão política”, disse Urin. Segundo ele, com o calendário completamente cheio na próxima temporada, a estreia só poderia ser remarcada para 4 e 5 de Maio de 2018.
A obra foi substituída pelo clássico “D. Quixote”, com Ivan Vassiliev no papel de Basílio.