A bailarina, professora, coreógrafa e directora artística italiana, Anna Mascolo, faleceu na sua casa em Lisboa na madrugada do dia 29 de Março de 2019. Tendo-se tornado portuguesa por casamento, viveu quase oito décadas em Portugal.
Tendo sido uma das mais conhecidas professoras de dança clássica da capital portuguesa, ao longo da sua vida artística, foi uma incansável lutadora e defensora do estatuto profissional do bailarino português, que foi aprovado pela Assembleia da República e promulgado em Fevereiro passado, por Marcelo Rebelo de Sousa.
De seu nome completo, Anna Maria Matilde Olimpia Rosario Mascolo, nasceu em Nápoles, a 18 de Dezembro de 1930, e viveu em várias cidades italianas, antes de ter vindo para Portugal aos 10 anos, quando a Itália entrou na II Guerra Mundial.
Prosseguiu os estudos académicos em Lisboa, na Escola Italiana – actual Instituto Italiano de Cultura – quando a sua família se fixou em Lisboa e começou a estudar dança, aos onze anos, com a professora alemã Ruth Asvin. Contra a vontade do seu pai, matriculou-se na Escola de Dança do Conservatório Nacional, onde teve como professora principal Margarida de Abreu. Diplomou-se em 1947 e, no ano seguinte, recebeu o prémio “Nova Geração”.
Fez parte, desde a sua fundação, em 1945, até 1953, do Círculo de Iniciação Coreográfica (CIC) sob a direcção da professora e coreógrafa Margarida de Abreu. Nesse grupo dançou papéis de destaque em obras como Nova Chopiniana, Pássaro de Fogo, Quadros de Uma Exposição e Fêtes. Trabalhou em Lisboa com René Bon, Anita Bronzi e Paul Szilard, os quais a encorajaram a frequentar, em Paris (no Verão de 48), aulas de mestres como Olga Preobrajenska, Lubov Egorova e Madame Rozanne. Em 50 e 51 frequentou, particularmente, algumas aulas de John Taras, na companhia do Marquês de Cuevas e aprendeu com Preobrajenska várias peças que, posteriormente, dançaria em Portugal com Fernando Lima, constituindo, assim, o primeiro par português a dançar papéis do reportório clássico tradicional dentro de um contexto profissionalizante.
Estudou em Nápoles com Bianca Gallizia, em 1950. Dois anos depois, participou numa série de recitais com Águeda Sena e Fernando Lima, no Teatro Monumental, genericamente intitulados “Tardes de Ballet”. Neles estreou a sua primeira criação: A Morte e o Convidado, para a música de A. Katchaturian. Ainda com o CIC dançou em várias óperas no Teatro de S. Carlos, na década de 50 (Aida, Andrea Chénier, Manon, La Gioconda, Orfeu, Adriana Lecouvreur e outras).
A partir de Maio de 1953 – com o nome artístico de Anna Maria Drisi – dançou em vários países, integrada no elenco da companhia do Marquês de Cuevas. Nela estudou com Bronislava Nijinska, Leonide Massine, Felia Doubrovska, George Skibine e Edward Caton, tendo dançado papéis solísticos nos seguintes bailados: Ange Gris (G. Skibine), La Tertulia ou Les deux Rivales (Ana Ricarda e Irene Lidova), Scarlatiana (Vladimir Skouratoff), Le Moulin Enchanté (David Lichine), As Bodas de Aurora (versão de B. Nijinska) e Concerto de Chopin (Bnjko). Por razões de ordem familiar regressou a Portugal, tendo deixado a companhia em Dezembro de 1954.
Entre 56 e 57 estudou com Esmée Bulnes, na escola de dança do Teatro alla Scala, de Milão, tendo voltado a Itália para prosseguir estudos em 64, 65 e 66.
Desde que fundou, em 1958, o Estúdio-Escola de Dança Clássica Anna Mascolo, a bailarina começou a dedicar-se especialmente ao ensino.
Como bolseira do Instituto de Alta Cultura, estudou em Londres, em 1958, com Stanislas Idzikowsky, Anna Northcote e Melusine Wood. Em 1964 começou a ensinar dança na recém-formada Academia de Música de Santa Cecília, em Lisboa, tendo saído em 1971.
Foi directora artística do Grupo Experimental de Ballet do Centro Português de Bailado, do final do ano de 64 a meio do de 65 – agrupamento para o qual tinha criado a peça Perfis (mus. Paul Hindemith, 1964) -, e do Grupo de Bailado Anna Mascolo (1969-73).
Foi directora do Centro Português de Bailado (1966-68), biénio durante o qual realizou, entre outras actividades, uma conferência em prol da divulgação do bailado em Portugal, tendo Anton Dolin por orador (em Janeiro de 66). Em 1969, Anna Mascolo trouxe, para o mesmo fim, Serge Lifar a Lisboa. Ambas as palestras foram acompanhadas de recitais, nos quais a bailarina dançou, respectivamente, o papel de Grisi, no Grand Pas de Quatre (Anton Dolin e Cesare Pugni), e o de Julieta, num excerto de Romeu e Julieta, de Serge Lifar e P.I. Tchaikovski, ao lado de Juan Giuliano.
De 68 a 75, entre outras realizações, Anna Mascolo, como coreógrafa e bailarina principal do seu grupo, participou nas temporadas de ópera do Teatro da Trindade (La Sonambula, As Bodas de Fígaro e Rigoletto, em 68; La Traviata, A Serrana e As Bodas de Fígaro, em 69; Carmen, Rondine e Fausto, em 70; O Elixir do Amor e Andrea Chénier, em 71 e A Flauta Mágica, em 72 e 75).
Em Maio de 1973, apresentou-se com o Grupo de Bailado Anna Mascolo, no Teatro S. Luiz, num espectáculo que teve como artistas convidados Tessa Beaumont, Josette Amiel, Martine Chaumet, Robert Bestonso e Juan Giuliano, entre outros.
Entre os seus alunos contam-se Jorge Salavisa, Manuela Valadas, Miguel Lyzarro, Palmira Camargo, João Miranda, Maria José Palmeirim, Paula Massano, Vítor Castelo-Branco, Olga Roriz, Ana Rita Palmeirim, Guilherme Dias, Vera Mantero, Bruno Mascolo e Mário Franco, entre outros.
Em 1974 recebeu um “Diploma de Excelência” num concurso de qualificação de professores de bailado promovido pelo Ministério da Educação, no Conservatório Nacional. Foi professora da Escola Artística de Dança do Conservatório Nacional de 1975 a 82 e da Faculdade de Motricidade Humana (da Universidade de Lisboa) a partir de 1983.
Durante a sua carreira foram-lhe solicitados, oficialmente, diversos projectos e planos de estudo para a reestruturação do ensino da dança. Designadamente em 1978, na qualidade de membro da Comissão de Reestruturação do Ensino Artístico do Ministério da Cultura.
Foi membro do Conselho Internacional da Dança (UNESCO) a partir de 1981 e fundadora e presidente do Conselho Português para a Dança em 1983.
Leccionou diversos seminários e cursos e participou em conferências em Portugal e no estrangeiro.
Foi convidada de honra do Concurso Internacional de Bailado do Teatro Bolshoi de Moscovo em 77 e 89 e membro do júri do mesmo certame em 1981. Fez ainda parte do grupo de jurados dos seguintes concursos: Música e Dança G. B. Viotti (Vercelli, 1982), Japan World Competition (Osaka, 84, 87 e 91), II Certamen Infantil Latino Americano de Ballet (Lima, 1985), VII Encontro Nacional de Dança (Brest, 1989) e 5º Concurso Lucienne Lamballe (Bayonne, 1989), Artejo (Lisboa, 88 e 89), além do I Encontro Nacional de Dança, integrado na I Mostra de Artes e Ideias (Lisboa, 1988).
Em 2007, a antiga bailarina comemorou 60 anos de carreira e, em 2008, os 50 anos do Estúdio-Escola Anna Mascolo, onde, apesar de aposentada, continuou a dar aulas.
Em Maio de 2012 recebeu, aos 81 anos, um Doutoramento Honoris Causa na Universidade (Técnica) de Lisboa e foi condecorada por dois presidentes da República: Jorge Sampaio, com a Ordem do Infante Dom Henrique, em 2004, e por Marcelo Rebelo de Sousa, com a Grande Oficial da Ordem da Instrução, em 2018.
Ao longo da sua carreira conquistou o acima mencionado Prémio Nova Geração (1948); o Prémio da Imprensa (1969), a Medalha de Mérito Artístico, do Conselho Brasileiro da Dança, (1990), o Prémio Vingnaledanza (Turim, 1997) e o prémio Mulheres Criadoras de Cultura, em 2012.
Era viúva do arquitecto Vittorio Ferreira-David (1923-2006) com que teve dois filhos: a pianista Alexandra Mascolo-David e o bailarino Bruno Mascolo.