As últimas imagens de “Desh” – as mais persistentes e esteticamente mais cativantes – são as que ficam na memória e fizeram levantar o público do Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, naqueles que foram os espectáculos do epílogo de uma extensa digressão que começou em 2011. Numa peça em que Akram Khan, o seu criador e intérprete, evoca, simbólica e não simbolicamente, o pai e as suas raízes no Bangladesh, muitas outras coisas vieram à superfície. Aliás, o artista que entretanto teve a alegria da paternidade afirma, mesmo, que a sua visão da obra e a maneira como pensava no seu progenitor têm vindo a mudar.
A viagem que AK partilha com o público é complexa e simples ao mesmo tempo. Complexa na abordagem, pouco literal, e, por vezes difícil de ler na entrelinhas. Simples no quer toca à informação falada que é lança para o palco.
“Desh” – que significa “terra natal” em bengali – começa com o bailarino “inglês” a entrar de lanterna mão num imenso palco vazio que, pouco a pouco, se vai enchendo de sons, ideias, movimento e cenografia. “Candeia que vai à frente alumia duas vezes” parece ser o mote de toda a obra que transborda energia, sensibilidade, nostalgia e até humor. A obra é composta por vários quadros em que alguns adereços surgem a informar a narrativa e até projecções e animações muito bem elaboradas. Toda a concepção visual do espectáculo – da autoria de Tim Yip – é de grande qualidade e diversidade. Aliás Khan é conhecido por associar o seu nome e os seus trabalhos sempre a artistas de alto gabarito do mundo das artes.
Em pouco mais de uma hora “Desh” faz viajar por um mundo de sonhos e de episódios mais ou menos reais, em que um só intérprete enche o imenso palco do CCB. O final da obra, em que o bailarino se envolve numa imensa rede de panos que caem do tecto do palco é de uma beleza e impacto ímpares. Milhares de tiras movem-se e Khan aparece e desparece entre varas que sobem e descem, por vezes suspenso de cabeça para baixo.
No final o público, que quase encheu a sala na estreia, levantou-se em conjunto para aplaudir uma história com personagens ausentes que carrega algum exotismo e foi protagonizada por apenas um corpo. Um artista que se desmultiplica e se metamorfoseia com uma energia e inteligência perfeitamente contagiantes cheio de empatia e sortilégios.
fotos: Richard Hauton