A última criação da Companhia Olga Roriz (COR), “Animais de Estimação”, apresentada no Teatro Camões, traz com ela duas novidades: uma espécie de “crónica de uma morte anunciada” e uma metodologia criativa algo ambígua, já que o programa refere direção, e não coreografia, da antiga bailarina do Ballet Gulbenkian.
Antes da estreia de “Pets” (Animais de Estimação), foi aflorada, pela própria directora a ideia do desaparecimento da COR, fundada em 95, coisa que, no actual contexto, não espantará ninguém. Todas as companhias de dança têm vindo a acabar em Portugal – ao contrário de países como a França em que, apesar da crise europeia, se continua a estimular esta arte. Em breve, a cidade de Marselha e a Fundação BNP Paribas, por (bom) exemplo, irão oferecer ao coreógrafo Michel Kelemenis uma nova casa, decorrente do financiamento a longo prazo que lhe tem sido proporcionado para prosseguir o seu projecto de vários anos.
Quanto à obra, sabe-se, segundo fontes fidedignas, que a coreógrafa afirmou ter “evitado” coreografar esta peça, deixando para os seus extraordinários artistas essa tarefa. Onde era suposto ler-se “coreografia de Olga Roriz com bailarinos”, ou vice-versa, apareceu apenas no programa a palavra direção sugerindo que, na verdade, o material que normalmente é proposto aos artistas para gerar movimento e emoções, desta vez, não foi “manipulado” pela coreógrafa.
Na prática, a peça seguiu o seu próprio destino que, como se pôde verificar, dependeu em muito do empenhamento e grande foco dos cinco intérpretes que já parecem avançar por instinto na visão e nos esquemas do processo criativo da coreógrafa. Sobre o palco não parece que tenha acontecido nenhuma epifania pois o resultado não foi extraordinário – dir-se-ia que choveu e choveu no molhado – não rompendo em nada com os cânones (para não dizer clichés) do costume! De tudo o quem vindo a ser proposto por Roriz nos anos mais recentes. Obras de grande fulgor como algumas no passado têm vindo a escassear…
A peça é longa, tem quase duas horas; recorre a materiais reciclados – quantas vezes já se viu tal prática? – utensílios e lixarada que funcionam não como adereços mas como uma amálgama de tralha que serve de paisagem e, em simultâneo, de pele aos próprios bailarinos; mostra cenas de violência, por vezes gratuita, e de nudez, por vezes dispensável; serve-se da repetição exaustiva de rotinas rematadas com soluções mais ou menos criativas; exibe intenções musculadas mas nem sempre decifráveis… e por aí fora. Trata-se de um longo encadeado de cenas – que vão alimentando uma banda sonora variada – com avanços e recuos e alguns climaxes que requer muito vigor e movimento saído entranhas!
É claro que o público português – que só recebeu a chamada dança-teatro de Pina Bausch com décadas de atraso e muito deslumbre à mistura – ainda continua a ver neste tipo de espectáculos um certo encantamento quando cuecas negras e cabelos em constante agitação já se tornarem lugares tão comuns em palco como as piruetas ou os grand jetés do bailado clássico… apenas com muito mais espalhafato e, quantas vezes, intuitos provocatórios!
Seria da maior injustiça não referir que Bruno Alexandre, Pedro Cal, Catarina Câmara, Maria Cerveira e Marta Lobato Faria, fazem viver um trabalho muito duro do ponto de vista físico e mental e muitas vezes conseguem, mesmo, superar todas as fragilidades conceptuais e de conteúdo da obra. Nela um pequeno grupo de indivíduos parece encerrado num espaço algo claustrofóbico, entregues à sua própria sorte e, em nenhuma ocasião se assemelham a animais de estimação! Parecem sim feras encurraladas numa jaula em que impera o confronto, o abuso e o desamor.