Depois de ter passado por Viseu, o espectáculo “Shelters” (Abrigos), da autoria de Hofesh Shechter, apresentou-se no grande Auditório do CCB, na última semana de Novembro (2013).
O coreógrafo israelita, muito conhecido em Londres onde tem sedeada a sua companhia, é um bailarino cuja carreira de intérprete evoluiu para a música e depois para coreografia. Ao ter conquistado bastantes prémios em concursos de dança veio a obter o cobiçado convite para se tornar artista associado do famoso teatro inglês de dança, Sadler’s Wells.
O espectáculo formado por três peças e que dura cerca de uma hora é uma espécie de “best of” com duas obras remontadas por Bruno Guilloré – um francês que é director-associado do grupo e que dançou na formação final do Ballet Gulbenkian – e mais uma dança feita para a Companhia Instável. Este é um projecto que acontece anualmente sob a direcção de Ana Figueira que, desta vez, incluiu sete intérpretes que entenderam muitíssimo bem o estilo de Shechter e que brindaram o público com uma “soirée” de grande intensidade. Diga-se a talho de foice que esta “companhia”, nem é companhia – trata-se de um conjunto de pessoas que são contratadas pontualmente – nem é instável. Para isso teria, primeiramente, que ter uma existência real. Contudo Hofesch parece ter-se manifestado positivamente – segundo o programa – pela oportunidade de, ele próprio, escolher os artistas para interpretar as suas obras coisa que, numa companhia a sério, por vezes, não é possível.
Na verdade, interpretado por artistas estrangeiros e portugueses – em que se incluiu São Castro, ex-bailarina da Gulbenkian e Marco Ferreira o vencedor, em 2010, do programa televisivo Você Acha que Sabe Dançar? – o espectáculo foi bastante consistente, coreograficamente falando, e de forte impacto cinético.
“Shelters” incluiu dois dos primeiros trabalhos do criador israelita: “Culto” (15 min) e o dueto “Fragmentos” (13 min), para além de um terceiro trabalho: “Debaixo de uma Rocha” (20 min). As peças do coreógrafo israelita não são para pessoas de coração frágil – há anos foram dados tampões para os ouvidos aquando da exibição de uma coreografia cuja banda sonora atingia uns decibéis infernais – nem para espectadores com pouca visão. Todos os trabalhos se desenrolam na penumbra, ou em contraluz, alternando com zonas de deliberada escuridão. Os bailarinos usam roupas bastante simples – por vezes os homens dançam com fatos – e de cores que se diluem no procénio, como o cinza e o castanhos e os movimentos são muito rápidos e percussivos, com voltas nervosas a um ritmo alucinante. Em nenhuma das obras apresentadas em Lisboa se detectava uma forte componente política – apanágio dos trabalhos de Shechter – porém, por eles perpassa um certo mistério, um desconforto emocional e, mesmo, um subtil clima bélico, que transparece da banda sonora que em alguns casos parece reproduzir o som do marchar de soldados.
Desde a promeira entrada até aos agradecimentos finais o coreógrafo israelita anula a mais leve hipótese dos intérpretes se evidenciarem do ponto de vista histriónico. A sua individualidade interpretativa é, pois, bastante condicionada pelo registo luminoso que deliberadamente esconde os rostos dos bailarinos obrigando os espectadores concentrarem-se no vigoroso trabalho dos seus corpos em frenético movimento.
Ainda que este tipo de dança (contemporânea) possa, genericamente, se encontrar afastado de países ou nações, a verdade é que quer se trate de um dueto ou de um trabalho de grupo, a proposta de Shechter indicia algo que tem a ver com o quotidiano do seu país de origem. Uma espécie de conflito latente – ou desconfiança – que se estabelece entre os indivíduos em cena como que se de um karma se tratasse.