O festival Temps d’Images, com origem em França – numa época fortemente condicionada pela imagem que nos alegra e, em simultâneo, nos consome – traz a Lisboa (uma vez por ano) um conjunto de eventos cujo denominador comum não é difícil de prever. Mas, como se sabe, para deleite e auto-consagração de alguns “programadores” e seus amigos e seguidores, nos últimos anos surgiram festivais e “projectos” para todos os gostos!
Desta vez, o Temps d’Images, propõe o Ciclo Andrei Tarkovsky – subintitulado Esculpir o Tempo – e a directora da Companhia Nacional de Bailado (CNB) terá encomendado a Paulo Ribeiro, para fazer jus às suas ligações ao CCB, uma obra que começa por ter um título enviesado, como o são muitos deles em línguas estrangeiras: “Du Don de Soi”!
A partir do momento em que se propõe uma peça coreográfica baseada/inspirada na obra cinematográfica de um realizador só há duas formas do espectador se colocar perante a criação: ou conhece o trabalho do famoso homem da sétima arte russa, ou não. Partindo deste último pressuposto tudo fica mais fácil pois, a composição coreográfica poderá ter um ponto de partida mas não evitará ter um de chegada. E, se não valer per si, estaremos em presença de um objecto híbrido – mais ou menos interessante – mas artisticamente frágil.
Paulo Ribeiro aposta em duas vertentes de sucesso, um enorme grupo de bailarinos (36) que cria uma massa que enche quase sempre o palco – e o olho – e um trabalho bastante engenhoso de dois “desenhadores de imagem” italianos, Fabio Iaquone e Luca Attilii, que duplicando cenas com imagens dos bailarinos em tamanho gigante ou sobrepondo outras, dá uma dimensão visual à dança que o movimento, definitivamente, não encerra. Ora aí está o principal pecado de “Du Don de Soi”, uma hora e tal de movimento frouxo e pouco interessante, lento e algo entediante. Nada de novo, ou qualquer “acidente” coreográfico, surge numa obra em que os bailarinos da CNB – dos poucos que em Portugal ainda têm o dom de dançar – são penosamente arrastados para um “sentir sem grande desafio”.
O início da peça não podia ser mais expectável: num palco vazio com o chão cheio de panos, os bailarinos (pretensamente nus) vão entrando e vestindo na penumbra o que, afinal, são peças de Zé António Tenente! Já cobertas com roupa, as bailarinas mostram o corpo através de transparências de cores suaves transformando-se em bandos de belas vestais, como que saídas de um templo. De um modo geral, o movimento é pedestre e as danças desenvolvem-se entre momentos que parecem improvisados por todo o palco ou em formações tão básicas como linhas e círculos. Os artistas sugerem dividir-se entre a espera, de braços cruzados, e umas explosões de afectos mais ou menos contidos. O movimento é algo larvar e quase sempre controlado, nunca abandonando um certo halo de contornos poético.
A partitura musical, assinada por Franghiz Ali-Zadeh, com solos de violino em evidência e uns laivos de piano, ajuda a criar um clima enternecedor mas não vai muito além disso.
Falta a “Du Don de Soi”, acima de tudo, substância coreográfica, a poção mágica que encontramos na orgiática criatividade – que para os tempos que apostam sofregamente na imagem será, quiçá, “démodé” – de um Petipa, um Balanchine ou um Forsyhte, a que a companhia nos acostumou com o seu reportório.
Assim, com Luísa Taveira na direcção da CNB estamos, uma vez mais, a assistir a uma espécie de “vitorinização” do grupo, o que resulta num verdadeiro desperdício! Já que, nestes conturbados tempos e de enorme incerteza, os artistas da CNB parece que são os únicos que ainda se mexem (com prazer) e precisam, definitivamente, de desenvolver um projecto realista e vigoroso. Caso contrário, e por este andar, a coisa ainda poderá vir a acabar muito mal.