O famoso escritor checo Milan Kundera, autor de A Insustentável Leveza do Ser, regressou o ano passado à ficção com obra A Festa da Insignificância, em que “o riso, inspirado na nossa época, é cómico porque perdeu todo o seu sentido de humor”. Trata-se de um romance que coloca em cena quatro amigos parisienses “que vivem numa deriva inócua, característica de uma existência contemporânea esvaziada de sentido e que que pode ser visto como um resumo de toda a obra de Kundera”.
Não se sabe muito bem com que profundidade o coreógrafo Paulo Ribeiro se envolveu e inspirou neste livro para a concepção da sua última criação, mas é certo que utilizou grosso modo o seu título para uma dança que, em certa medida, não deixa de ser inócua, embora exiba um saudável sentido de humor. Característica quase sempre presente nos trabalhos de Ribeiro e que, em muitos aspectos, o distingue (positivamente) do todos os seus pares.
Festa é festa, e com insignificância ou não, o que nós mais precisamos neste momento é o que Paulo Ribeiro e um excelente grupo de bailarinos trouxeram de Viseu a Lisboa, ao palco do Grande Auditório da Culturgest.
A ideia de diversão é sempre reconfortante e animadora – a não ser que surja demasiado “light” ou completamente gratuita – e, para comemorar os 20 anos da sua companhia, o director e coreógrafo sugere uma festa algo metafórica num tempo pouco dado a celebrações. “Dar corpo à utopia” é uma frase bem optimista que Ribeiro convoca ainda que, em duas décadas, tenha passado também pela direcção da Companhia de Dança de Lisboa e do Ballet Gulbenkian, com resultados pouco animadores. Diga-se de passagem.
“A Festa (da insignificância)” é uma peça de mais de hora e meia – que teria sido mais “eficiente” com menos uns 15 ou 20 minutos – de contornos lúdicos, com segmentos até divertidos em que dez bailarinos – quase todos de primeira água – nunca parecem levar muito a sério nada do que estão a fazer em cena. É um trabalho descontraído e aparentemente despretensioso que começa com uns movimentos soltos ao som de uma música (brasileira e gostosa) de Tom Zé. Num palco descarnado onde pontuam umas grelhas em que se distribuem alguns holofotes com várias cores tendo por trás instrumentos musicais e néons verdes. Em determinada altura entram dois músicos, Miquel Bernat e Miguel Moreira, para a percussão e a guitarra eléctrica, que se sentam atrás dos bailarinos e asseguram o acompanhamento musical de quase todas a danças que se seguem.
Em várias secções há bailarinos, e outras tantas cadeiras, que enchem a cena quase sempre exalando um ar de felicidade, mais ou menos sincera. Trata-se de uma espécie de dança comunitária com alguns laivos de sensualidade e, até, um pouco de nervosismo à mistura. Quer saltitando, quer tremelicando ou torcendo-se, nunca os movimentos parecem sofisticados pois assentam em acções como o sacudir de mãos, o rodar das cabeças, o ondular de ombros e afins. Sensivelmente a meio do espectáculo, uma “mestra de cerimónias” improvisada, a exuberante Teresa Alves da Silva, começa a dar instruções para os espectadores participarem mais activamente no show. Já no final, é o bem humorado Allan Falieri que volta a convocar a plateia para uma espécie de workout em pé nos assentos – oh desventurada Jane Fonda que, nos anos 80, puseste as empregadas domésticas a dançar nas cozinhas em frente dos fogões – com que termina o espectáculo.
Esta forçada sessão de modesta ginástica, envolvendo umas poucas articulações e entremeada com risos e apartes, naturalmente cativou os muitos espectadores que quase encheram a sala. Terminando a dança na plateia (com os artistas também de pé a incentivar o público) com uma espécie de ritual colectivo de adeus. Embora tendo ficado no ar o bom sabor de uma espirituosa brincadeira esta solução pareceu um pouco simplória e algo imediatista.
Também foi pena que os artistas – para além dos supracitados estiveram em palco Ana Jezabel, Filipa Peraltinha, Rosana Ribeiro, São Castro, André Cabral, António Cabrita , João Cardoso e Valter Ferreira – tivessem que despir a roupa. Já que ser sensual em cena não é, necessariamente, uma qualquer insignificância.