Na temporada passada a Companhia Nacional de Bailado (CNB) convidou um casal de bailarinos-coreógrafos ditos “independentes”, São Castro e António Cabrita, para, juntamente com dois artistas do seu elenco – Henriett Ventura e Xavier Carmo – criaram a peça Tábua Rasa. Recentemente os quatro artistas deslocaram-se ao estrangeiro (Seul – Coreia do Sul) naquilo que constituiu a única digressão internacional da companhia no corrente ano.
De volta ao Teatro Camões, os quatro juntaram-se a Catarina Grilo, Irina de Oliveira e Ricardo Limão, com o apoio da Associação V0’ARTE, para a apresentação de Turbulência, uma obra original inserida no Festival InShadow. Na noite de 10 de Novembro, com uma sala composta, os sete artistas foram surgindo de um espaço vazio central (entre dois planos gigantes oblíquos estáticos) desenvolvendo um trabalho de “concerto” – a companhia está, correntemente, envolvida na produção de La Bayadère – que dura pouco mais de uma hora.
De início, um bailarino solitário (Xavier Carmo) permanece em cena enquanto os espectadores se deslocam para os seus assentos. Tudo o que acontece durante um longo período de “introdução” são duas riscas verticais que se deslocam da esquerda para a direita, cortam o palco repetidamente e iluminam brevemente o artista. Só depois surge uma figura feminina (Irina Oliveira) que atravessa o palco, no solo de costas, avançando em direção onde a luz insiste em sublinhar uma figura que, rapidamente deixa de ser central. Os outros vão aparecendo, uma a um, e se introduzindo na obra num esquema idiossincrático e vindo de vários pontos do proscénio. Um clima expectante e de algum mistério marca, desde logo, a peça que se mantém na penumbra (in shadow) e num registo que se pode reputar de… pouco variado. O movimento que quase todos os artistas exibem é insistentemente rasteiro – ou melhor, frequentemente rastejante – as cores da cenografia e figurinos balizam-se entre o branco, preto, cinza e creme e o clima do bailado invoca uma paisagem larvar muito bem arquitectada. Além disso, os sons que acompanham a indecifrável narrativa de Turbulência estabelecem um tipo de paisagem sonora que parece coerente e que casa bem com a proposta do jovem quarteto. Mas é a belíssima iluminação de Nuno Meira, que cria nas superfícies estáticas planos que se desmultiplicam e até falsas volumetrias, que contribui em muito para fazer viver uma peça que aposta muito mais num clima de interrogação que do que, verdadeiramente, de beleza, de questionamento, de emoção, de humor ou de intricado movimento.
A movimentação de todos os artistas despreza género e estruturas corporais se bem que dois dos homens envergam dois longos casacos negros e as mulheres alguns fatos com transparências. De ressalvar os eficazes e, em simultâneo, elegantes figurinos que denotam o costumeiro bom gosto de José António Tenente que, nos últimos tempos, tem assegurado uma presença regular em muitos dos bailados apresentados no Teatro Camões.
Turbulência, título cujo significado está longe do que os criadores mostram em palco (não parece particularmente inquietante e muito menos, desordenado ou nervoso) é um trabalho bastante artesanal, no sentido mais nobre do vocábulo, em termos de movimento. Apresenta-se deliberadamente divorciado de quaisquer intuitos de virtuosismo e impõe um ritmo pouco variado e algo repetitivo. Pode, mesmo, afirmar-se que é uma dança um pouco “plástica” e branda mantendo o interesse do espectador por via de um continuado mistério que, habilmente, deixa nas entrelinhas e, sobretudo, na retina dos espectadores.
Texto: António Laginha
Fotos: Bruno Simão e Susana Pereira