CNB ERRA O ALVO COM “LÍDIA”

CNB ERRA O ALVO COM “LÍDIA”

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A Companhia Nacional de Bailado (CNB) com uma encomenda ao “coreógrafo de Viseu”, Paulo Ribeiro, em menos de dois meses desde o início da presente temporada deu o seu segundo tropeção na literatura. O primeiro foi com “Tempestades” de Rui Lopes Graça e o segundo com “Lídia” que pretende evocar a poesia da mais recente inquilina do Panteão Nacional, Sophia de Mello Breyner.

Embora não deixe de ser estimulante ver no palco do Teatro Camões uma nova criação com música original, do talentoso Luis Tinoco, e uma orquestra (a Metropolitana de Lisboa) ao vivo sob a batuta de Pedro Neves, querer-se retratar numa simples dança “uma personagem recorrente em toda a poesia europeia” é uma ambição, no mínimo, hercúlea. Não é, pois, suficiente que todos os artistas almejem embarcar “numa viagem que se deseja sem dor e direccionada para o futuro do tempo, como o que a dança, simbolicamente, sempre percorre com os seus passos”.
Ao contrário do que se esperaria, desde logo, a partitura revela-se bem mais estimulante que a coreografia já que, pelo menos, a música tem “verve” – a percussão salienta-se em algumas secções – e tenta sair daquela que pode ser a “zona de conforto” do compositor. Enquanto o coreógrafo não parece ter encontrado um registo com impacto coreográfico nem visual.

Embora há muito que esteja na moda companhias de base académico-clássica desafiarem coreógrafos de linha contemporânea a fornecer peças para os seus reportórios, a verdade é que a CNB não é o American Ballet Theatre… nem Paulo Ribeiro se chama Twyla Tharp. E o público do Camões, esse nem chega aos calcanhares, em entusiasmo e energia, dos de um qualquer teatro norte-americano.

Com “Lídia”, concebido para 14 mulheres, Paulo Ribeiro parece subutilizar as artistas da CNB pois é quase evidente que nunca lhes pede que se individualizem, que se excedam, enfim, que voem. Em resumo, que marquem uma diferença deixando as obras contemporâneas da companhia, umas após outras, de serem mais do mesmo.

A peça desenvolve-se em sucessivos frisos de “ninfetas”, intercalados com solos e pequenos conjuntos, em que as bailarinas se posicionam repetidamente de perfil adquirindo um aspecto bidimensional. Como é hábito nos trabalhos de Ribeiro para a CNB, a cena é tratada com limpeza e depuração em termos de desenho de luz. Desta vez assinado por Nuno Meira. E, depois de quase uma hora de sucessivos avanços e recuos tudo termina, discretamente, com duas bailarinas a esbracejar, debaixo de dois solitários focos de luz.

As roupas que cobrem as bailarinas, da autoria do talentoso e experimentado José António Tenente, são uma espécie de cortinados em mousseline em várias cores que descem sobre malhas escuras justas ao corpo. Ao contrário da sofisticação e charme que os trabalhos de Tenente costumam exibir, desta vez, mais parecem uns improvisados figurinos (panos drapeados e soltos sobre maillots de trabalho) para uma qualquer festa de escola!

“Lídia” é aquilo a que se pode chamar um bailado tipo LDS (leve, solto e diáfano) mas que, ao contrário da famosa droga, não transmite grandes emoções. É provável que a maioria dos problemas desta obra resida na dinâmica do movimento, que é bem cosido – usando e abusando de forma canónica numa secção inicial – mas não traz absolutamente nada de relevante. A peça é divorciada de espessura dramática, não apresenta mais que um ténue fio de narrativa – apesar de a determinada altura duas mulheres se acariciarem e beijarem dentro de um lago de luz num simulacro de romance – e não trouxe calor a uma plateia não mais que composta.

Veremos, de seguida, o que a CNB nos reserva para Dezembro e se não volta a errar o alvo na sua terceira tentativa de alinhar uma temporada, senão barata, minimamente atractiva com um “Quebra-Nozes” em jeito de… “tropa fandanga”!

Published by Antonio Laginha

Autoria e redação

António Laginha, editor e autor da maioria dos textos da RD, escreve como aprendeu antes do pretenso Acordo Ortográfico de 1990, o qual não foi ratificado por todos os países de língua portuguesa.

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