No dia 17 de Julho (três dias depois do feriado nacional que, neste ano de pandemia, não teve a pompa nem o brilho do costume) a França perdeu um dos seus mais fulgurantes símbolos artísticos, Zizi Jeanmaire. Durante muitos anos a rainha do vaudeville e e de uma dança francesa que, deliberadamente, se afastou da conservadora Ópera de Paris.
A bailarina Renée Marcelle Jeanmaire, um tesouro vivo da dança gaulesa, faleceu (tranquilamente) aos 96 anos, na sua casa em Tolochenaz, no cantão de Vaud, na Suíça. Ainda que as exéquias fúnebres – por decisão da filha de Zizi e Roland Petit, Valentine – sejam privadas, em Setembro ser-lhe-á prestado um tributo público na igreja de Saint-Roch, a paróquia parisiense dos artistas. Cidade onde Zizi reinou toda poderosa durante décadas. A par de Yvette Chauviré e Noella Pontois – as duas maiores estrelas do Ballet da Ópera na segunda metade do século XX antes do aparecimento da mega star, Sylvie Guillem – Madame Petit foi um nome e um “estilo” incontornáveis na dança francesa.
A sua carreira está intimamente ligada à de Roland Petit, um dos maiores coreógrafos franceses e seu marido, que morreu em 2011. Conheceram em 1933, quando tinham ambos 9 anos, na escola de dança da Ópera de Paris. Casaram em 1954 e tiveram uma filha. Zizi, que era uma bailarina muito particular, em termos técnicos e, mesmo, fisicamente, esteve, no centro das maiores criações de Roland e fez um nome único e cintilante, juntando criações de grande poder dramático a outras vinculadas ao mais puro entretenimento.
Renée Jeanmaire nasceu a 29 de Abril (Dia Mundial da Dança) de 1924, em Paris. Fez a sua aprendizagem na escola da Ópera mas, por volta dos 20 anos, em plena segunda Grande Guerra, já tinha objectivos muito definidos para a sua carreira. “Sem falso pudor ou modéstia, devo admitir que nunca tive dúvidas sobre minha carreira”. Na altura “sonhámos ir ver o mundo… eu queria que a glória fosse reconhecida como algo diferente de Giselle”, sublinhou a bailarina.
Dentro da novíssima companhia de Roland Petit, os Ballets de Paris, Zizi destacou-se na protagonista de Carmen, em 1949, numa coreografia surpreendentemente moderna e ousada. Nessa Carmen – com cabelo cortado à rapaz, penteado que Zizi nunca deixou de usar no placo e fora dele – triunfará em Paris, Londres e Nova Iorque. Depois protagonizou La Croqueuse de Diamonds, em 1950, um género então desconhecido que juntava a dança “en pointes” com canções e muito “glamour” cénico. Posteriormente trabalhou em Hollywood e Nova Iorque. Nos anos 50 apareceu em vários filmes de dança, como Hans Christian Andersen e a bailarina, de Charles Vidor, Folies-Bergère e Charmants, de Henri Decoin e Guinguette de Jean Delannoy.
Raymond Queneau, Serge Gainsbourg e Barbara escreveram canções para “Mademoiselle Jeanmaire” e o escritor Boris Vian afirmou que ela tinha “olhos para esvaziar um mosteiro trapista em cinco minutos” e “uma voz como só existe em Paris” . Yves Saint Laurent, que a vestiu durante quatro décadas, acreditava que “bastava Zizi subir ao palco para que tudo se transformasse em vida, fogo e chamas” . “Sem ela, Paris não seria Paris”, afirmava Louis Aragon.
No Alhambra, em 1961, Zizi triunfou com a música Mon truc en plumes, de Bernard Dimey e Jean Constantin, sobre a qual a própria confessou :“É um excelente número de teatro que apresentei em todo o mundo e provavelmente um dos mais bonitos do género” . Representou La Dame de Chez Maxim centenas de vezes entre 1965 e 1966. Nesse ano dançou o dueto Le Jeune Homme et la Mort (de Roland Petit) ao lado de Rudolf Nureyev para uma versão filmada e, em seguida, continuou a participar em revistas extravagantes, como La Revue e Zizi je t’aime, no Casino de Paris, da autoria do par Petit-Jeanmaire, em 1970.
O anúncio de sua morte provocou reações emocionadas no mundo da dança. “Foi uma mulher e uma artista excepcional. Zizi Jeanmaire será para sempre lembrada pois foi única e inimitável. Zizi, nós amamos-te “, escreveu Manuel Legris, antiga estrela da Ópera de Paris e ex-director do Ballet da Ópera de Viena , no Instagram. “Nunca te esqueceremos, querida Zizi”, escreveu outra estrela da Ópera, Marie-Agnès Gillot.