Não é por acaso que os artistas da dança raramente gostam de filmes que metam bailarinos e histórias de bailado. Trata-se de um universo que lhes é familiar e, como tal detectam, de imediato, toda e qualquer inconsistência ou falha, já para não mencionar os mais despercebidos pormenores de ordem técnica.
“Cisne Negro”, a película de Darren Aronofsky que catapultou Natalie Portman para a dança – e para os braços do pai do seu futuro bébé, o bailarino e coreógrafo francês Benjamin Millepied – tem muitas qualidades mas, possivelmente, também alguns defeitos, sobretudo, para quem não se identifica com histórias de bailarinas transtornadas, sexualmente reprimidas, com visões perigosas e… em busca da perfeição!
Exagero será dizer-se que a melhor coisa do filme é, mesmo, a estonteante música de Tchaikovski, utilizada de uma maneira brilhante e servindo às mil maravilhas inúmeras cenas de um “thriller” protagonizado por uma bailarina novaiorquina, exactamente igual a tantas do New York City Ballet ou do American Ballet Theatre, ambos sedeados no Lincoln Center, onde algumas das cenas foram filmadas.
Figura apagada mas muito bela que é, inesperadamente, promovida a estrela, mostra-se incapaz de lidar com o processo de substituir uma colega mais velha, da presença de um director artístico com pulso, de colegas invejosas mas, acima d e tudo, aprender um difícil bailado em quatro actos. Sendo que no segundo e quarto interpreta uma princesa-cisne doce e melancólica – o amargurado cisne branco – e no terceiro uma “pièce de resistence”, tecnicamente muito exigente em que protagoniza um cisne maquiavélico e destruidor, que seduz e dá drama ao enredo da obra-prima de Petipa-Ivanov.
“Linda, temerosa e frágil”, diz-lhe o director que deveria ser para dançar o papel para que foi distribuída. Mas quando se transforma numa bailarina enlouquecida a quem o patrão que a tenta seduzir, no final, a recrimina afirmando que “ a única pessoa no caminho dela, é ela mesmo”, já tudo a impede de chegar não à perfeição mas ao fim de um bailado. “Malgré tout”, a nova versão do “Lago” é um sucesso em palco, apesar de uma cenografia medonha. O desconforto das agressões físicas que Nina, a protagonista, inflige a ela própria, contrasta exemplarmente com umas poucas cenas de sexo meio estranhas que apimentam um pouco a história. Do ponto de vista fílmico, as maiores inconsistências surgem ao nível do argumento. Baseado numa história sem grande profundidade e decorada com toda a espécie de lugares-comuns, o filme não acrescenta nada de novo a todos os que já foram feitos sobre dança.
Para além de suspense e fantasia, por vezes com um exagero que não combina com a natureza do tema, “Cisne Negro” tem como pontos positivos uma realização muito cuidada e uma interpretação de ganhar um Oscar. Portman é fascinante em termos de beleza e de rigor na interpretação – sobretudo a nível de expressão e de movimentos de braços, já que é quase sempre filmada acima da cintura, pois é dobrada por uma bailarina a sério em todas as cenas em que dança em pontas.
Ao lado de Portman, destaca-se um actor, Vincent Cassel, que faz o papel de director da companhia de dança com todos os tiques de alguém meio masoquista e autoritário e que, em noma da arte, pretende tirar vantagem dos seus artistas.
Para além da estrela principal, daria mais duas. Total: três estrelas numa escala de cinco.