A peça “Antes que matem os elefantes” é, provavelmente, uma das mais “políticas” – pelo menos na intenção – do conjunto de toda a vasta obra coreográfica de Olga Roriz.
Estreada em Ílhavo, no Dia Mundial da Dança de 2016, e apresentada na capital no meio do mês de Julho (no Teatro Camões), ela mostra bem como a coreógrafa portuguesa mais antiga em actividade tem evoluído numa profícua carreira de quase quatro décadas. Passando de um período em que as suas obras primavam pelo movimento, para um outro explicitamente conotado com a dança-teatro (germânica) e, agora, aproximando-se desse movimento de moda de “origem” gaulesa que dá pelo nome de “não-dança”. Mas o movimento não dançado de Roriz não tem um cunho “artsy” nem um cariz eminentemente intelectual, antes pelo contrário, é material escuro, cru, obsessivo e em jeito de ténue narrativa. Porém, desprovida de qualquer hierarquia nas suas diferentes camadas emocionais.
Segundo a criadora, esta longa peça surgiu “depois de uma viagem à Grécia onde visitou campos de refugiados” – parece que com verbas da embaixada grega e não do Ministério da Cultura – concentrando-a num espaço que se pretende que o espectador imagine ser um apartamento meio destruído na cidade mártir de Alepo, na Síria.
Antes mesmo de vermos um palco com um sofá gasto e um velho frigorífico debaixo de um emaranhado de tubos metálicos suspensas por cordas, e onde há cobertores e colchões, lixo, detritos, pedras e muito pó no solo e no ar, ouve-se no escuro uns bons minutos de monólogos protagonizados por crianças. A sua tradução é feita com legendas e o seu conteúdo é evidente (e tocante) em frases como “anseio pela liberdade”.
Quatro homens (Bruno Alexandre, Bruno Alves, André de Campos e Francisco Rolo) e três mulheres (Carla Ribeiro, Marta Lobato Faria e Beatriz Dias) protagonizam personagens sem rosto, sem rumo e, sobretudo, sem futuro.
Na parte inicial do trabalho um dos homens esconde-se, mesmo, dentro de um frigorífico, depois de se desnudar sem objectivo aparente. E as mulheres lavam em baldes os seus longos cabelos como que guardando um pouco da pouca vaidade ou de asseio que lhes é permitido. Ao longo de mais de hora e meia alguns abraçam-se e repelem-se ou perseguem-se e ignoram-se numa espécie de jogo de gato-e-rato, dentro de uma casa que tanto pode representar uma prisão ou servir de abrigo. Crê-se ser um apartamento que parece funcionar como uma espécie de microcosmo do que se passa num mundo cruel e sem esperança, fora das suas imaginárias paredes. Uma das imagens mais tocantes – e diversas vezes repisada – é a de corpos inanimados arrastados por um dos homens até formar um monte de cadáveres sem préstimo nem destino. São corpos que já não cheiram a vida e nem se percebe se já têm algum odor da morte.
Esta obra de Olga Roriz poderá ser vista como uma metáfora de um universo que nunca, realmente, se chega a observar em cena mas que podemos facilmente imaginar. Já que é o mesmo que nos entra em casa todos os dias através da comunicação social e, mesmo, das redes sociais.
“Antes que matem os elefantes” é, pois, uma peça tão forte quanto difícil, claustrofóbica e violenta, com pouco suporte musical. Algumas da sonoridades escolhidas são mesmo perfurantes mas o facto de haver longas faixas quase sem movimento e em silêncio tornam o longo “meio” da obra longo e algo entediante.
Fotos: Paulo Pimenta