TEATRO E DANÇA NUM MESMO MUSEU: UMA SALGANHADA SEM FUTURO !

TEATRO E DANÇA NUM MESMO MUSEU: UMA SALGANHADA SEM FUTURO !

Luis DRAKE 2

Na opinião do antigo presidente francês, François Mitterand, “a liberdade é uma ruptura. Não é um caso de coragem mas de amor”. Porém, na esfera política (infelizmente) parece haver muito pouca coragem e, muito menos, reinar algum amor. Como, aliás, se verifica, dia após dia, lá para os lados da Ajuda em que à revelia de tudo e de todos se tomam decisões pouco acertadas fazendo orelhas moucas ao que o primeiro-ministro pede aos seus governantes: que não se afastem (cada vez mais) da turba.

Vem isto a propósito de uma cerimónia semi-pública que decorreu numa pequena sala do Museu Nacional do Teatro (MNT), no lisboeta bairro do Lumiar – com alguma pompa e um pouco de circunstância – e que a imprensa deliberadamente empolou. Nela se  juntaram um antigo ministro da Cultura (do Partido Socialista) e o actual Secretário de Estado (do PSD-CDS), com o pretexto do primeiro legar alguns dos livros da sua biblioteca àquela instituição. Uma decisão do jornalista, professor, diplomata e escritor, José Sasportes – que vive em Itália – de disponibilizar, oficialmente e com protocolo devidamente assinado, parte da sua colecção particular cuja temática é, essencialmente, a dança.  

Em contrapartida, Jorge Barreto Xavier – que trouxe consigo o director-geral do património cultural, Vassalo e Silva – na presença do director do museu, José Alvarez, anunciou (inesperadamente) ao grupo restrito de presentes o aumento de uma palavrinha no nome daquele museu: dança! Doravante existe em Portugal um Museu Nacional do Teatro e da Dança. A espúria iniciativa não perece ter despertado o interesse nem das cerca de duas dezenas de pessoas – quase todas conhecidas de Sasportes -, designadamente o conhecido Professor Eduardo Lourenço.

Perante a estupefacção de alguns, a incredulidade de outros e o contentamento de uns poucos – que viram nesse expediente um upgrade para a arte da Dança – o secretário de estado nem sequer foi capaz de informar os presentes interessados em conhecer a abrangência da doação, de uma data para a sua consulta pública. É certo que os livros foram recebidos com um certo entusiasmo – de que, aliás, nenhuma outra doação foi alvo – mas nem havia uma simples lista desse acervo disponível no dia da assinatura do protocolo! E sabe-se lá quando é que isso vai acontecer… O que prova, ou a pressa em “mostrar serviço” (uma característica bem conhecida de Xavier) ou a falta de meios do museu, um facto recorrente na maioria das instituições museológicas portuguesas. Para já irão ficar como as restantes obras e peças de dança em acervo, fora do alcance dos visitantes. Já que não se acautelou a sua catalogação antes do prematuro anúncio. Sabe-se que uma pequena parte do precioso espólio de trajes do Grupo de Bailados Verde Gaio, continua depositado no sótão do belo palacete em armários e que alguns dos fatos dos já extintos Ballet Gulbenkian e Círculo de Iniciação Coreográfica (de Margarida de Abreu) têm exactamente a mesma “visibilidade”.

Tudo isto leva ao questionamento de todos os que há muito lutam por um verdadeiro Museu da Dança, representativo e utilitário – a juntar aos dois existentes dedicados ao Teatro e à Música – a bondade e pertinência da simples mudança de nome, de um museu que tem créditos feitos na área para o qual foi criado, mas que não tem a melhor das localizações na cidade.

É que para além da biblioteca doada por José Sasportes não se assegurou previamente um espaço adicional para as futuras doações e nem parece existir na estrutura alguém minimamente especializado que se ocupe da área da Dança… Receia-se que esta seja mais uma decisão apressada e inconsequente uma vez que o Museu Nacional do Teatro (que está a celebrar três décadas) no imaginário dos artistas e público em geral, será sempre uma casa dedicada às memórias do nosso teatro – como o desejou o seu criador Vítor Pavão dos Santos – como o D. Maria II é o Teatro Nacional para a arte de Talma, para qualquer português!

Há, assim, dois factos relevantes que levam artistas e público a pensar na ligeireza/leviandade, desta decisão. Não é porque o museu recebeu o espólio de alguns artistas – que na falta de um museu/casa da dança viram nele o local mais seguro para não deitar no lixo material único e precioso – que se transforma, de um dia para o outro, numa verdadeira instituição da dança. O facto desta arte ter entrado pelo museu adentro e pelo mundo do teatro declamado de um modo administrativo não irá, necessariamente, ter consequências positivas a curto prazo. Irá, isso sim, continuar a ser uma matéria subalterna no palácio do Lumiar e será difícil que venha a passar – em primeira análise por falta de meios financeiros e espaço físico – de uma excrescência bastarda do Teatro. E tanto assim é, que muito pouca gente se apercebeu de tal “mudança” e, na altura, nem o MNT se deu ao trabalho de alterar alguma coisa no seu site oficial.  

No caso do novo MNTD se transformar num depósito de documentação impressa e memorabilia da dança portuguesa já não é mau pois evita que muita coisa se perca na poeira dos tempos. Mas isso não pode servir de contentamento e, muito menos, de futuro de uma arte viva e  actuante como  é a dança. Ela mereceria, seguramente, um centro nacional/casa da dança à semelhança exemplo/modelo francês! Tal seria um boa e acertada decisão dos responsáveis máximos da cultura em Portugal.

Assim sendo o tempo dirá qual o destino que a tão maltratada arte de Terpsicore em Portugal terá dentro de um museu que mudou de nome por despacho e não por necessidade ou convicção. A avaliar pela falta de dinheiro que há em todos os museus, e pela má sorte do Museu da Música que há anos anda em bolandas, e os responsáveis oficiais da Cultura nunca mais acertam, o futuro não se apresenta nada risonho para a museologia destas artes tão efémeras quanto mal tratadas!

museu

 

Published by Antonio Laginha

Autoria e redação

António Laginha, editor e autor da maioria dos textos da RD, escreve como aprendeu antes do pretenso Acordo Ortográfico de 1990, o qual não foi ratificado por todos os países de língua portuguesa.

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