Quando a Fundação Mirpuri – que tem como lema “for a better world” – anunciou, no ano passado, que decidira “reconhecer a excelência das actividades culturais (Dança, Teatro e Música) e o estímulo à produção artística em Portugal”, com a concessão de três prémios de 30.000 Euros cada, muitos artistas terão rejubilado com a notícia. Em tempos de “vacas magras” para a dança portuguesa e de uma situação nunca vista na concessão de subsídios estatais pela Direcção-Geral das Artes, que há quatro anos não tem um director minimamente competente e legalmente nomeado, os valores em causa não poderiam deixar de ser particularmente atractivos.
Anunciados os membros do júri – estranhamente em número par – e o nome dos “patronos” de cada prémio, algumas sobrancelhas começaram por se levantar. No caso da dança, são conhecidas as “estreitas” ligações de um elemento dos clã Mirpuri à bailarina Anna Mascolo e, por tal, ninguém estranhou que fosse ela a escolhida para encabeçar os nomes da dança. E, por arrasto, o pianista Sequeira Costa para a música que, como se sabe, pertence ao círculo daquela conhecida professora de bailado. Já o prémio de teatro levou o nome do director do Teatro Experimental de Cascais, Carlos Avilez.
Provavelmente porque era exigido, por regulamento, que os candidatos apresentassem documentação audio-visual, cuja qualidade não sempre é fácil , muito menos, barata (e nem todos os concorrentes trabalham na Companhia Nacional de Bailado) o seu número terá sido reduzido, pelo que, se teve que se abrir um novo período entre Fevereiro e Junho de 2018.
No epílogo dessa fase, houve quem tivesse gasto em vídeos mais de mil Euros e nem um agradecimento recebeu nas cartas enviadas a anunciar que estava fora da lista dos premiados. A falta de “sensibilidade” com que os concorrentes foram tratados fez com que alguns considerassem todo o processo tão exigente quanto amador.
Escolhidos três nomes organizou-se uma Gala, na noite de 3 de Novembro, para “pessoas importantes” – apenas convidados da Fundação Mirpuri – em circuito fechado no Teatro Nacional de São Carlos.
Desde logo, um espectáculo que, supostamente, foi desenhado para celebrar a dança portuguesa, primou pela estranheza, pois, independentemente da qualidade dos artistas convidados, apenas dois foram portugueses! E, com o se isso não bastasse, ainda se pagou a um “Deus da Dança” russo, Vladimir Vasiliev, que veio Lisboa receber um Prémio Carreira e Prestígio e entregar o prémio da dança a Fernando Duarte. Como, aliás, já o tinha feito em Julho passado, em Varna (Bulgária), ao jovem leiriense António Casalinho. Uma contradição programática – cinco pares estrangeiros e só um português em cena num teatro que é nacional – foi mais que evidente e não parece nada elogiosa nem útil para a dança nacional, a qual, em teoria, marcava o sentido dos próprios galardões.
Uma vez que a imprensa especializada portuguesa foi convidada para o ensaio geral – em que os artistas nem sempre dançam a cem por cento, não colocam maquilhagem e só fazem umas “passagens” para se adaptar ao palco – a Revista da Dança não poderá informar devidamente os seus leitores sobre o evento.
Ainda assim, endereçamos sinceros parabéns aos premiados, Fernando Duarte, Edward Ayres e Duarte Pereira Martins (Associação Patrimonial pela Música Portuguesa) e Elmano Sancho, respectivamente nas categorias de Dança, Música e Teatro.
Esperando que mais profissionalismo, mais transparência e, provavelmente, menos frivolidade possam caminhar em paralelo com a segunda edição dos Prémios Fundação Mirpuri.
É que nestas coisas não se pode ser como Pompeia Sula, porque “à mulher de César não basta ser séria, deve parecer séria”. Sobretudo num Mundo que se quer “melhor” e em que nas artes haja poucas dúvidas e nenhumas suspeições. E, acima de tudo, que elas sejam, definitivamente, mais importantes para quem as serve do que para quem, quantas vezes, se serve delas.
António Laginha – Director da Revista da Dança