Bailarina de grande talento, criativa e arrojada, Paula Pinto, que também era um ser humano excepcional possuidor de um enorme coração, deixou-nos na tarde do dia 20 de Janeiro de 2023. Vitimada por um carcinoma que a tinha atingido havia ano e meio, faleceu num hospital em Alcântara (Lisboa). O velório e a cremação, a que assistiram muitos colegas, amigos e familiares, tiveram lugar no Centro Funerário de Cascais (Alcabideche) a 24 de Janeiro. E um belo trecho de uma inesperada música, que Paula gostava, acompanhou a emocionada despedida.
Artista de sorriso fácil, corpo flexível e alma cheia, fez quase toda a sua carreira no Ballet Gulbenkian (BG), companhia de que se reformou, com o estatuto de bailarina principal, no ano de 2003.
Paula Cristina dos Santos Pinto, nasceu a 5 de Maio de 1966, em S. Tomé e Príncipe, tendo vivido na Guiné até aos 8 anos. Chegou a Portugal um mês antes do 25 de Abril (do ano de 1974). Começou a dançar em África de um modo espontâneo e teve as primeiras aulas de dança clássica, em Sintra, com a professora inglesa Neilma Williams. Quase a fazer 12 anos, e por sugestão da sua professora, a mãe levou-a a prestar provas para os cursos de bailado da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), em que foi aceite por Jorge Salavisa. Durante os primeiros anos de escola começou por fazer alguns trabalhos pontuais de dança, sob a direcção do coreógrafo Fernando Lima. Designadamente uma peça do Bernardo Santareno no Teatro Nacional D. Maria II, com Ruy de Carvalho, Rui Mendes e outros grandes actores da época. Com 14 anos esteve em cena nove meses, naquela instituição – o que foi uma experiência da maior importância para a sua carreira – e também participou em trabalhos de publicidade e para a televisão, designadamente o premiado programa Sabadabadu, (dirigido por Fernando Lima).
Com 16 anos, entrou como estagiária para o Ballet Gulbenkian mas, pouco tempo depois, teve a percepção que precisava de aprender mais, de ampliar a sua formação em dança clássica e moderna. No ano seguinte solicitou uma bolsa de estudo à Fundação Calouste Gulbenkian, pois tinha planos para estudar na escola do London Contemporary Dance Theatre, The Place. Como não foi contemplada com o apoio pedido, partiu para França a fim de frequentar o Centro Internacional de Dança Rosella Hightower, em Cannes. Aí recebeu uma bolsa parcial e, para conseguir pagar os estudos, trabalhou com o artista plástico, cenógrafo e figurinista, Jean Robier, marido da Rosella Hightower, na construção de guarda-roupas para ópera. Cerca de dois anos depois Jorge Salavisa convidou-a para integrar o elenco do Ballet Gulbenkian, como bailarina profissional.
Apesar de muitos e grandes desafios naquele grupo, ao fim de uns anos de trabalho na Fundação Gulbenkian, Paula Pinto voltou a ter necessidade de sair de Portugal para melhorar profissional e artisticamente, e participou num projecto com Jan Fabre, que a convidou para integrar a equipa que ia fazer uma criação para o Ballet de Frankfurt Ballet, de William Forsythe. Da Bélgica, onde o projecto se estruturou e da Alemanha, onde se estreou, posteriormente, seguiu para Nova Iorque (Maio de 91) onde ficou meio ano a fazer aulas, inclusivamente com o famoso Merce Cunningham.
Durante as duas décadas em que dançou um variado reportório no BG, trabalhou com professores de nomeada (Ivan Kramar e Sighilt Pahl, por exemplo) e coreógrafos famosos (designadamente Mats Ek, Itzik Galili, Olga Roriz e Vera Mantero) e criou algumas peças para os Estudos Experimentais de Coreografia.
Ao deixar o BG, Paula Pinto trabalhou, como bailarina, com Olga Roriz durante um ano e meio antes de ter saído de Lisboa para viver no campo, perto do mar. Durante os dois anos seguintes dedicou-se a cuidar do filho e a tentar – através de cursos de curta duração e meditação – fazer uma transição suave de carreira. De seguida inscreveu-se na Universidade Aberta, na licenciatura em Estudos Artísticos e, em 2004, fundou a Associação Cultural Sentidos Ilimitados, com a finalidade de “valorizar o indivíduo, a criatividade e a cooperação entre as diferentes comunidades artísticas e sociais, assim com o estreitamento de relações entre artistas e a formação de novos públicos, através da promoção de iniciativas de estímulo à criatividade e ao desenvolvimento pessoal tendo como principal objetivo a valorização do indivíduo através da expressão artística”.
Quatro anos depois, também de sua autoria, surgiu o projecto multidisciplinar Compota, que realizou inúmeros espectáculos de improvisação e sessões didácticas em todo o País, e que serviu de laboratório para largas dezenas de jovens artistas em começo de carreira.
Em 2022 recebeu os prémios Renova e da Dança Anna Mascolo, na Gala da Fundação Mirpuri realizada no Teatro Nacional de S. Carlos, a sua última aparição pública.
Sobreviveu-lhe a mãe e o filho, o actor Filipe Pinto Oliveira.