MANUELA DE AZEVEDO: MAIS DE MEIO SÉCULO AO SERVIÇO DAS LETRAS E DA CULTURA

MANUELA DE AZEVEDO: MAIS DE MEIO SÉCULO AO SERVIÇO DAS LETRAS E DA CULTURA

A escritora e jornalista cultural, Manuela de Azevedo, faleceu “tranquilamente” a 10 de Fevereiro (2017) por volta do meio dia, aos 105 anos, no Hospital de S. José, em Lisboa.

No Dia Mundial da Dança de 2010 a Revista da Dança homenageou-a no Auditório Municipal Eunice Muñoz (Oeiras) pela sua contribuição para a implantação da dança portuguesa, de carácter profissional, nos anos sessenta.

Foi a primeira mulher portuguesa a dedicar-se ao jornalismo profissionalmente – também conhecida por ser fortemente democrata e acérrima antifascista – devia ser a repórter mais velha do mundo viva. Pelo menos era a única que ainda escrevia, pois, apesar da vetusta idade ainda estava a trabalhar num livro com cerca de 200 cartas que foi trocando ao longo da vida com várias personalidades do mundo das artes, humanidades e política. Desde muito cedo inscreveu-se no Sindicato dos Jornalistas, sendo a sua primeira sócia.

No dia 31 de Agosto, de 2016, apagou as velas dos seus 105 anos colocadas num bolo em forma de máquina de escrever, na presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com quem trabalhou, quando ele exerceu a profissão de jornalista. Na ocasião foi condecorada com a Ordem da Instrução Pública. Antes já tinha recebido outras condecorações pelo Mérito, Liberdade e Luta pela Liberdade, respectivamente em 1995 e 2015 (Ordem da Liberdade pelo Presidente Aníbal Cavaco Silva, numa cerimónia no Palácio de Belém).

Manuela de Azevedo, que tinha sido internada no Hospital de S. José na terça-feira anterior ao seu falecimento com um problema intestinal, foi romancista, ensaísta, poeta, contista e crítica de artes plásticas, teatro e dança, tendo escrito também biografias e peças de teatro. Uma delas foi, mesmo, censurada pelo regime de Salazar, bem como um artigo (Matar por piedade) que escreveu em 1935, já então, a defender a eutanásia.

Filha de um jornalista que foi director do “Diário da Beira Alta”, Manuela Saraiva de Azevedo nasceu em Lisboa, a 31 Agosto de 1911, e passou os primeiros anos de vida em Mangualde e depois em Viseu onde estudou no Liceu Nacional de Viseu. Ensinou Português e Francês num colégio privado daquela cidade mas cedo mostrou apetência pelo jornalismo. Em 1935 publicou o seu primeiro livro de poemas antes de enveredar pelo jornalismo profissional no jornal República, em 1938. De 1942 a 1945 foi chefe de redacção da revista Vida Mundial, mas segundo a própria “como o registo semanal era demasiado lento”, mudou-se para o Diário de Lisboa, onde esteve antes de se tornar grande repórter do Diário de Notícias. Ao longo de quase sessenta anos de jornalismo privou com as grandes figuras da política, da cultura e da sociedade. Mulher manifestamente de esquerda, conheceu bem os nefastos efeitos da Censura e foi saneada do Diário de Notícias em 1975, no período da liderança de José Saramago. Acabaria por regressar uns anos mais tarde e, até 1991, escreveu crítica de dança, tendo, voluntariamente abandonado essa “paixão” por a sua visão ter começado a  fraquejar. Reformou-se aos 85 anos, mas nunca abandonou a escrita, ainda que quase sempre confinada à sua casa do Bairro das Colónias (na freguesia dos Anjos, Lisboa).

Começou a interessar-se por dança, numa altura em que a paisagem terpsicoreana portuguesa era particularmente árida e dependente da vinda irregular de algumas das melhores companhias  estrangeiras a Lisboa, nomeadamente o Ballet do Marquês de Cuevas. Frequentou um curso de crítica de dança junto da escola de Rosella Hightower, porém o seu trabalho apresenta uma vertente quase totalmente autodidacta. Com as suas “impressões, sugestões e “críticas” – segundo as suas palavras – apoiou incondicionalmente as propostas profissionais que levaram à implantação e desenvolvimento do  bailado em Portugal, demonstrando sempre grande simpatia pela função social da dança e muito carinho por uma arte que tanto apreciava. Membro fundador do Centro Português de Bailado (1960) dirigiu a edição do seu Boletim “Bailado”, do qual se publicaram oito números. Da Comissão Organizadora do Centro Português de Bailado – reunida em finais do ano de 60 – faziam parte o Prof. Dr. Mário Chicó, historiador de arte e professor universitário, os críticos de dança Dr. José Blanc de Portugal, Manuela de Azevedo e José Estevão Sasportes,  a bailarina Wanda Ribeiro da Silva, o compositor Filipe de Sousa, o Dr. Afonso Howell, Carlos Andrade, Maria de Lurdes Freitas, Raquel Simões, Pilar Coimbra Torres, Sosso Dukas-Schau e o Dr. Luís de Carvalho Oliveira. Da mesma saiu a sua primeira direcção, em 1961, de que Manuela de Azevedo também fez parte.  Foi colaboradora de uma revista portuguesa de dança da mesma época, “O Ballet”, tendo entrevistado grandes personalidades das artes como Rudolfo Nureyev, Calouste Gulbenkian e Ernest Hemingway.

Publicou entre outros, Claridade (poemas) Lisboa, 1936 – com prefácio de Aquilino Ribeiro -, “Um Anjo Quase Demónio” (romance) Lisboa, 1945, Filhos do Diabo (Prémio Fialho de Almeida, do S.N.I., 1955) Lisboa, 1954, “O Amor de Perdição” (A Novela Camiliana), “Camilo-Fanny” (drama em três actos), “Itinerário Romântico de Portugal”, 1962, “O Tesouro das Ilhas Selvagens”, 1964, “À Sombra de Eça e Camilo”, 1970, “Columbano”, 1970, “Cartas a João de Barros”, 1972, “Alguns Homens das Cartas a João de Barros”, 1972, “Reaprender a Ler e a Repensar a Poesia Política de João de Deus”, 1976. Em 2009 publicou uma autobiografia, “Memórias de uma mulher de letras”, em 2010 “Os pobres de Cristo” e, em 2015, “O pão que o Diabo Amassou”, com a chancela do Museu da Imprensa.

Foi correspondente em Portugal de publicações estrangeiras como “Die Press”, “Gregor Dietrich der Schauspiel – Fuhrer”, da Universidade de Viena (Austria), “Folha de São Paulo” (Brasil) e da  Agência France Press.

A partir de 1954 começou a dedicar-se à reconstrução da Casa-Memória de Luís de Camões, em Constância, que fundou e dirigiu durante quarenta anos.

Foi homenageada – com o descerramento de uma lápide – no Teatro Mirita Casimiro em Cascais (1990), consagrando o empenhamento e acção cultural manifestada ao longo de mais de quarenta anos nas suas actividades literárias e, sobretudo, na crítica de teatro. Recebeu um Prémio do Conselho Português da Dança (1990), no Teatro da Trindade, uma homenagem pública da Vila de Constância (1992) e o Prémio Lembrança João de Deus Ramos (1995)  no Museu João de Deus.

Em Setembro de 2016, Manuela de Azevedo foi distinguida com a Medalha de Mérito Cultural da Câmara de Lisboa. 

Numa mensagem de condolências enviada à família e aos jornalistas portugueses, o Presidente da República afirmou que Manuela Azevedo (que como cidadã e jornalista de convicções e princípios acompanhou as mudanças políticas e sociais do seu tempo e grandes momentos da História do jornalismo) foi “uma mulher que fez história quando a sua era uma profissão de homens”. 

 

 

 António Laginha

 

 

 

Published by Antonio Laginha

Autoria e redação

António Laginha, editor e autor da maioria dos textos da RD, escreve como aprendeu antes do pretenso Acordo Ortográfico de 1990, o qual não foi ratificado por todos os países de língua portuguesa.

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