MAIS KEERSMAEKER NA CNB: EMOÇÕES DE ALEGRIA OU DE TÉDIO?

MAIS KEERSMAEKER NA CNB: EMOÇÕES DE ALEGRIA OU DE TÉDIO?

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O programa de Primavera da Companhia Nacional de Bailado (CNB) é mais uma investida na dança portuguesa da belga Anne Teresa de Keersmaeker. Pela quinta vez, pela mão de Luísa Taveira, que insiste num reportório que está longe de ser consensual, a CNB aposta naquela coreógrafa cujo trabalho se tem afastado cada vez mais das suas primeiras obras e, naturalmente, de uma linha que a tornou famosa.

A belíssima música de Mozart seria sempre um impulso para qualquer amante da dança, mas a coreografia de “Árias de Concerto de Mozart” por ser longa (duas horas de dança e mais um intervalo no meio) embora pressupusesse emoções de alegria e júbilo acabou numa sensação de “déjà vu” e… tédio. Artisticamente falando o trabalho não exige da maioria dos artistas grande profundidade emocional – antes pelo contrário – e, tecnicamente, com excepção do desempenho de dois dos rapazes que foram incumbidos de partes mais saltadas e virtuosas, tudo se passa ao nível de umas poses, uns gestos e umas corridas, para além de umas brincadeiras inconsequentes acompanhadas de uns beijos, uns gritos, uns risos e muitos choros. Tudo entre o artificialismo e a sedução, como se a obra se passasse entre o salão e a alcova.

É certo que a maravilhosa música de Mozart – cantada ao vivo pelos sopranos Eduarda Melo, Kamelia Kader e Carla Caramujo e tocada pelo pianista João Paulo Santos e a orquestra Divino Sospiro, sob a direcção de Massimo Mazzeo – sustenta tudo o que a coreógrafa convoca para cena, por mais inconsequente ou irrelevante que o movimento possa parecer aos olhos do espectador. Ainda que algo jocoso – quase tocando a infantilidade – e elegante na articulação entre músicos e bailarinos.

Desde logo um imenso estrado elevado e arredondado em “parquet” feito há 22 anos para a estreia no Teatro de La Monnaie e que veio da Bélgica, determina o espaço em que decorre a acção, uma sala de perfil aristocrático desenhada para aventuras galantes. Ou nem tanto! A cenografia resume-se a sete rectângulos verticais verdejantes no fundo do palco e há cadeiras em ferro para as cantoras e os catorze bailarinos – sete homens e sete mulheres – que mudam de roupa repetidamente. Entre casacas e vestidos da época de Mozart, que os artistas vão trocando de ária para ária e as danças se executam com sapatos e pés descalços, muitas combinações vão se sucedendo ao longo do trabalho.

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A dança é ligeira e descomprometida, tentando ilustrar as linhas melódicas da composição musical. A coreografia prima pelo “decoro”, é ornamentada e, por vezes, vagamente “balética” mas parece ter sido produzida… “a metro”. Protagonizada por umas ninfetas endiabradas e uns adolescentes saltitantes, esta longa sequência de “divertimentos” – com alguns intermezzos musicais pelo meio, não parece nem melhor nem pior que as muitas danças (menores) que, no passado, ilustraram as óperas do Teatro de S. Carlos entretendo os fervorosos melómanos que a elas assistiam enfeitiçados pelas divas do bel canto. Na verdade, o que hoje para muitos é “cool” e “fashion” há 30 anos seria considerado uma manifestação terpsícoreana algo pateta para encher notas musicais. Keersmaeker, uma coreógrafa sempre tão cerebral nas suas propostas deixou-se enredar pela divina música de Mozart, que lhe pregou uma das maiores rasteiras da sua carreira. Até porque uma segunda parte com uma duração de quarenta minutos, depois da primeira com oitenta, foi uma provação desnecessária e resumiu-se a… mais do mesmo.

É fácil perceber que este “clássico” de Anne Teresa não soube envelhecer e que, para além da CNB, que “anda aos restos” na Bélgica, mais ninguém importa peças deste género, a qual, à partida está condenada no reportório da companhia, pois, com uma cenografia tão pesada nem sequer arrisca uma qualquer digressão.

E para quem pensava que “Árias de Concerto de Mozart” significaria “un moto di gioia“ para público, enganou-se redondamente porque, noite após noite, o Teatro Camões esteve meio vazio, tendo os lisboetas demonstrado cabalmente que, para o “peditório” de Keersmaeker – que foi “artista da cidade” de Lisboa há uns anos e não foi o sucesso que se apregoou – os portugueses já deram!

IS7A2624Fotos: Rodrigo de Souza

 

Published by Antonio Laginha

Autoria e redação

António Laginha, editor e autor da maioria dos textos da RD, escreve como aprendeu antes do pretenso Acordo Ortográfico de 1990, o qual não foi ratificado por todos os países de língua portuguesa.

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