Na véspera das celebrações do Dia Mundial da Dança de 2023, comemorou-se o primeiro centenário do nascimento de Madalena Perdigão (Maria Madalena Bagão da Silva Biscaia de Azeredo Perdigão) nascida a 28 de Abril de 1923, na Figueira da Foz, com a inauguração da exposição biográfica, “Vamos correr riscos”, no átrio da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG).
Madalena Perdigão, uma das maiores personalidades das artes portuguesas no século XX, faleceu em Lisboa a 5 de Dezembro de 1989, e foi, sem dúvida, uma das figuras que mais profunda influência exerceu na vida artística de Portugal, no período em que desenvolveu actividade na FCG e, de igual modo, fora dela.
A sua figura parece ter surgido no momento certo (para a dança e para a música) na vida da jovem Fundação e, aparentemente, também na do seu Presidente. De personalidade forte, viva e dinâmica, adquiriu um poder que lhe conferiu pesadas responsabilidades no meio artístico português, sobretudo no musical, já que foi fundadora e, durante muitos anos directora, do Serviço de Música daquela instituição. Departamento vocacionado para as artes teatrais e que, numa interpretação bastante amplificada do testamento de Calouste Gulbenkian, viria a criar os três corpos artísticos residentes na sede da FCG. Sendo que o grupo de dança teve uma génese e trajectória bem diferente da dos outros dois agrupamentos, uma vez que se ergueu sobre uma estrutura já existente e que, desde a sua criação em 61, era subsidiada pela Fundação: o Grupo Experimental de Ballet.
Muitos, ainda hoje, associam o nome de Madalena Perdigão a uma das principais referências na área da Cultura em Portugal. Foi através dela que se proporcionou o acesso aos eventos culturais que a Fundação oferecia na década de 60 e 70, incluindo as temporadas do Grupo Gulbenkian de Bailado – no Grande Auditório e nas as digressões a todo o país e regiões autónomas -, para além dos concertos de música erudita. Foi com ela que Portugal, nos anos negros de grande isolamento, apesar de tudo, foi podendo ver alguns dos maiores vultos mundiais no campo da música e da dança. A criação do Ballet Gulbenkian, da Orquestra e do Coro e, duas décadas depois, do Serviço ACARTE, com os seus espectáculos de vanguarda na Sala Polivalente do CAM, conferências e oficinas artísticas, concertos à hora de almoço e toda uma panóplia de eventos avulsos e ciclos de programas culturais (dos quais, naturalmente, se destacavam os estivais Encontros ACARTE) só podiam ter partido de uma mulher multifacetada cuja formação académica estava ligada às ciências exactas mas que, inteligentemente, soube alargar os seus horizontes para uma área que igualmente dominava: a música. Tanto ela como o marido faziam a diferença, quer na qualidade artística com que agigantaram a Gulbenkian, quer na postura de abertura de portas que sempre demonstraram enquanto estiveram à frente da instituição. Mais do que uma vez Azeredo Perdigão deu instruções directas para que fosse franqueada a entrada a jovens que não conseguissem bilhetes para espectáculos e que fossem acomodados na sala, pelos arrumadores, nas coxias laterais ou, mesmo, atras da plateia ou no balcão. Ele utilizava, com generosidade, a máxima: a Gulbenkian nunca fecha as portas a ninguém; enquanto Madalena soube sempre imprimir criatividade e uma imensa qualidade aos programas que criou e desenvolveu. O seu poder muito contribuiu para ter ficado na história das artes portuguesas. Ambos formaram um casal raro e batalhador tendo Madalena sido, uma espécie de ministra da Cultura, numa época em que era a Fundação que, voluntariosamente, se posicionava como uma uma espécie de ministério bicéfalo: da cultuar educação.
Independentemente de todas e quaisquer polémicas que sempre se poderão alimentar quanto à vida e obra de Madalena Perdigão uma coisa parece certa: o seu legado é inquestionável. E se uma pergunta sempre ficará em suspenso – teria ela alcançado os seus objectivos e levado a cabo tantos e ambiciosos projectos, se não tivesse havido a herança de um Gulbenkian e um casamento com Azeredo Perdigão? -, a resposta parece de somenos importância perante os significativos resultados alcançados.
Se Calouste Gulbenkian proporcionou a Portugal meios que lhe permitiram sair de uma certa letargia artística e provincianismo cultural nos quais se encontrava mergulhado; António Salazar que, com mão de ferro, dominou o país durante quatro décadas, e mesmo o seu sucessor Marcelo Caetano, seguramente não ficaram na História por serem indivíduos com elevados interesses artísticos ou ligações substantivas às artes, já a dupla a quem na Gulbenkian se chamava o “casal maravilha” foi um marco referencial na vida cultural lisboeta nas últimas quatro décadas do século XX.
Gravação áudio por amável cedência do Museu Nacional da Música (Lisboa).