As coreografias de Josef Nadj têm atras de si todo um historial de mistério e imaginação desde os longínquos anos 80. A sua estreia em Portugal deu-se nos saudosos Encontros Acarte, em 1988 com “Canard pékinois”, justamente a peça que estreou – com grande sucesso – em 1987 no Teatro da Bastilha em Paris e dera origem à sua companhia criada um ano antes.
“Paisagem Desconhecida” apresentada em Lisboa, no Teatro Nacional D. Maria II (integrada no 31º Festival de Almada) e etiquetada de “estreia mundial”, parece resultar de uma espécie de amálgama de outras peças que o coreógrafo-director do Centro Coreográfico Nacional de Orleães (França) teve, recentemente, em mãos. É que o mesmo, antes da sua vinda a Lisboa conquistou honras de retrospectiva da sua obra no Parque de la Villete, em Paris, onde mostrou “Les Philosophes” (2001) e “Ozoon” (2013), dois trabalhos bem mais interessantes do que esta “paisagem”. Como também o foram outras incursões em Portugal, designadamente, “Petit Psaume du Matin” (2001), ao lado de Dominique Mercy, “Les Corbeaux” (2010) e “ATEM le Souffle” (2012).
O problema principal desta dança é que poucas vezes funciona como “paisagem” e a esse facto não será alheia a música (improvisada e ao vivo) de Gildas Etevenard e Akosh S. que a acompanham. Na verdade, em muitas ocasiões, a agressividade do som executado com um saxofone e muito variados instrumentos de percussão – nos quais se incluem duas velhas banheiras de metal – é tão adverso a qualquer tipo de poética visual que quase acaba por destruir a filigrana gestual dos dois intérpretes, o próprio coreógrafo, Josef Nadj, e Ivan Fatjo. Ambos vestidos de fato negro como, aliás, é uma espécie de “marca registada” dos trabalhos do artista nascido há 57 anos na Sérvia, desta vez não usam chapéus na cabeça – uma peça de guarda-roupa já tradicional na indumentária dos artistas que com ele se apresentam – que, em “Paisagem Desconhecida”, foram substituídos por meias de nylon cobrindo os rostos e cabelo. Este truque escamoteia a expressão facial dos dois intérpretes mas permite que um deles desenhe com tinta branca uma espécie de caveira no rosto. Essa pode ser, mesmo, uma das “chaves” para a compreensão da obra que, ao contrário dos seus trabalhos ditos “clássicos”, parece nunca chegar a ter uma identidade e, muito menos, o clima de nostalgia e serenidade “campestre” que tanto atraem os espectadores para as coreografias de Nadj.
O trabalho parco em cenografia – tem apenas uma placa quadrada vertical no lado esquerdo do palco – e em adereços (duas cadeiras servem os fins do coreógrafo) ao contrário desenrola-se num palco negro desabrigado e bastante preenchido com uma parafernália de instrumentos musicais e outras peças metálicas que mais parecem roubadas ao lixo. Aqui não há essa espécie de saudade latente das pequenas coisas ancestrais em espaços de memória habilmente concentrados, quantas vezes, em construções em que a madeira crua impera. “Paisagem Desconhecida” também não lida com esses jogos de sedução e mistério – em que Nadj sempre foi muito hábil – e dos incómodos segredos nunca revelados! Tal como atrás se afirmou, a peça – em espaço aberto – dispensa quaisquer balizas físicas e temporais e por, tal, perde-se no pequeno gesto, que mais parece avulso, apresentando apenas uma referência bastante forte: um machado que o intérprete da cara branca empunha como arma de domínio sobre o colega. A imagem da Morte surge inevitável e, até, humorada entre dois homens que rastejam separados ou se envolvem fisicamente numa espécie de viagem inquieta e desconhecida que o público do Festival de Almada recebeu em Lisboa de braços abertos.