HÉCTOR ZARASPE (1930-2023) PEDAGOGO E PROFESSOR PRODIGIOSO

Héctor Zapaspe (à direita) e Julio Bocca, dois grandes nomes da dança argentina

A quatro meses de completar 93 anos faleceu em Manhattan (Nova Iorque – USA) o grande mestre de bailado argentino Héctor Zaraspe, que ensinou sucessivas gerações de bailarinos, entre 1970 e 2004, sobretudo na prestigiada Juilliard School, onde trabalhou até se jubilar.

Em Janeiro de 2023 tinha sido internado no Memorial Hospital de Nova Iorque, devido ao seu débil estado de saúde. Teve alta no final do mês mas viria a falecer na sua residência, no Upper West Side, pelas 23h43, de 13 de Fevereiro.

 Maestro Zaraspe nasceu a 4 de Junho de 1930 em Aguilares, na província de Tucumán, onde, aos oito anos começou a aprender danças folclóricas e depois flamenco. Aos 14, com imensas dificuldades financeiras, iniciou-se na dança clássica em Tucumán. Anos anos tarde mudou-se para um subúrbio de Buenos Aires, Morón, onde teve aulas de piano, de teatro e de dança contemporânea. Com a obtenção de uma bolsa estudou, aos 18 anos, fez um curso intensivo na escola do Teatro Colón, em Buenos Aires, com Otto Weber, Esmée Bulnes e a conhecida bailarina e respeitada professora, Gema Castillo. Começou por substituir Castillo em algumas aulas e, com ela, aprofundou os seus conhecimentos de  pedagogia. Já com alguma experiência no ensino fundou, em Morón, o seu primeiro estúdio de dança chamado ABC Ballet.

Partiu para Espanha em 1954, com 24 anos, tendo-se radicado na capital do país onde onde fundou o Liceo Coreográfico de Madrid, tendo aí descoberto a sua verdadeira vocação: o ensino. Mais tarde trabalhou no estúdio Amor de Dios, onde conheceu a grande bailarina Mariemma, uma figura muito importante para o ensino do flamenco naquele país. Numa época em que artistas de flamenco não se misturavam com bailarinos clássicos Mariemma – que teve formação na escola do Ballet da Ópera de Paris –  começou a ter aulas privadas com Zaraspe. Rapidamente passou de professor a mestre de bailado do Mariemma Ballet de  España e a ensinar bailarinos espanhóis famosos como Antonio Ruiz Soler (o grande Antonio), Antonio Gades, Luisillo e Luis Fuente, entre outros. Trabalhou com várias companhias espanholas, designadamente o Antonio Ballet de Madrid (como solista, professor e assistente da direcção)  e numa deslocação a Londres (1964) conheceu o casal de bailarinos mais falado da época: Margot Fonteyn e Rudolfo Nureyev. Em 1965 começou a trabalhar com ambos, tendo aparecido no filme I am a Dancer (1972) a ensaiar Nureyev nas cenas do bailado D. Quixote. Antes tinha sido professor particular da bailarinas argentina Olga Ferri e, mais tarde, voltou a ser mestre e ensaiador de outra estrela sua compatriota, Paloma Herrera. Em 1964, Zaraspe visitou Nova Iorque, tendo, nessa altura, depois sido contratado para leccionar na Juilliard School. Héctor Zaraspe também lecionou na Harkness House for the Performing Arts e no American Ballet Center e no Instituto Superior de Arte del Teatro Colón. Foi professor nos Grands Ballets Canadiens, no Het National Ballet na Metropolitan Opera, no Teatro Colón, no Ballet de Genebra e em companhias em Hamburgo e Caracas, para além de presidir e fazer parte de júris de concursos de dança na Argentina, Brasil e Venezuela.

Coreografou excertos dos filmes Capitão John Paul Jones (com Bette Davis), Spartacus (com Kirk Douglas, Peter Ustinov Lawrence Olivier e Tony Curtis) e 55 Dias em Peking (com Charlton Heston e Ava Gardner).  

Foi o coreógrafo do espectáculo Tango Pasión, estreado em 2001 em Miami, que passou seguidamente para a Broadway (Nova Iorque) e depois correu o mundo. Esteve em Portugal com esse show no início dos anos 90.

Em 1989 recebeu o premio Konex e em 1993 criou em Nova Iorque e em Tucumán a Fundacão Zaraspe, instituição vocacionada para a descoberta de talentos entre crianças desfavorecidas das zonas rurais com o patrocínio das Nações Unidas para se deslocarem a Nova Iorque para estudar e aperfeiçoar-se.

No ano de 2004 foi nomeado Embaixador Cultural da cidade de Buenos Aires.

Desde 1998 que se concede o Prémio Zaraspe, na Juilliard School, a um finalista que demonstre particular apetência para a arte coreográfica homenageando o pedagogo e coreógrafo que na obra Behind Barres: The Mystique Of Masterly Teaching, de Joseph Gale (publicado pela Dance Horizons, New York, 1980) foi considerado como um dos dez mestres mais conceituados na cidade de Nova Iorque.

 

 

Nota do autor: foi com enorme pesar que recebi a notícia do falecimento do saudoso e estimado Mestre Zaraspe. Fui seu aluno entre 1983 e 1985, na Juilliard School, seu assistente na Harkness House for The Performing Arts – também em Nova Iorque – e, 1984 e tive o privilégio de dançar um dos papéis principais da sua obra Fantasia  (para a música de Franz Schubert – Fantasia em sol maior in C major, Op. 15, conhecida pela Wanderer Fantasy) no Lincoln Centre (foto em baixo).

Recordo com enorme saudade a maneira tão generosa e criativa com que ensinava a dança clássica, o seu fervor pela Nossa Senhora de Fátima (por ter nascido numa paróquia cuja padroeira era a Virgem de Fátima) e a nossa ida em peregrinação ao Santuário de Fátima, em 1993.

 

Foto: Peter Schaaf (1983)
Texto: António Laginha

 

Published by Antonio Laginha

Autoria e redação

António Laginha, editor e autor da maioria dos textos da RD, escreve como aprendeu antes do pretenso Acordo Ortográfico de 1990, o qual não foi ratificado por todos os países de língua portuguesa.

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