De regresso a Portugal o grupo catalão “La Fura Dels Baus” – que ao longo de mais de duas décadas tem sido uma presença constante no nosso país – assentou arraiais em Lagos, a cidade que este ano recorda a passagem de 550 anos sobre a morte do Infante.
Nos últimos dias de férias de Verão de 2010, junto da estátua de Henrique o Navegador e embalado por versos de Fernando Pessoa, um grupo de 60 intérpretes portugueses, 40 criativos e técnicos e duas gruas, deram vida a “Gnosis”. Uma plateia de vários milhares de pessoas – muitas delas turistas – espalhadas pela maior praça fronteira ao mar no coração da cidade, passaram quase uma hora a olhar para o ar, já que este trabalho está nos antípodas do primeiro que os Fura apresentaram em Portugal (nos jardins da Fundação Gulbenkian) e em que os “performers” surgiam enterrados no chão. Inspirado nos Descobrimentos e nas forças cósmicas, o espectáculo assenta, basicamente, na exibição de grandes “objectos” povoados com figuras brancas, alternadamente por duas gruas, uma das quais elevando os artistas a muitas dezenas de metros do solo.
O primeiro grande passeio aéreo foi protagonizado por um triângulo constituído por um anjo e dois “querubins” batendo asas e despejando nuvens de penas sobre a multidão. Depois iluminou-se uma ampulheta gigante com uma mulher nua dentro de bolinhas de esferovite, numa alusão óbvia ao correr do tempo. De simbologia em simbologia, as gruas foram levantando sucessivamente um enorme globo coberto por panos brancos, de onde umas duas dúzias de homens e mulheres atiraram das alturas sacos de plástico e papéis, e uma marioneta gigante feminina prateada que se passeou uns bons cem metros com desusada desenvoltura.
O último voo coube a um gigante mobile humano com encapuzados suspensos por arneses que mais parecia uma grelha de minhocas brancas viajando pelo céu negro ao som de poderosa música ambiente que, juntamente com um habilidoso e sofisticado desenho de luzes, criou um especial clima de sonho e fantasia durante toda a obra.
Uma curta e inusitada exibição de (rico) fogo-de-artifício encerrou um evento que impressionou pela escala – a maioria dos números aconteceu a uma altura proibida a quem tem vertigens – e pela sensação de grandiosidade.
Poesia e História ficaram pelo caminho… mas, uma vez mais, os Fura, com um espectáculo algo previsível, sem grande dinâmica, que não envolveu o público nem primou pela provocação e que esteve longe do impacto dos muitos que têm vindo a apresentar em Portugal, mostraram que ao longo de toda a sua trajectória têm sabido reinventar-se e manter uma linha artística muito personalizada e altamente profissional.