DANÇA, SACRIFÍCIO E MUITOS SONHOS NO JUBILEU DO PRIX DE LAUSANNE (SUÍÇA)

DANÇA, SACRIFÍCIO E MUITOS SONHOS NO JUBILEU DO PRIX DE LAUSANNE (SUÍÇA)

Os vencedores do Prix de Lausanne de 2023: Fabrizzio Cornejo (México) e Millán de Benito (Espanha) 

No alargado universo das competições de dança – com as quais uns vibram e outros preferem ignorá-las – o conhecido, perene e respeitável Prix de Lausanne (PL), que este ano completou meio século de existência, é uma referência que, sem qualquer dúvida, sobressai a nível mundial.

Criado em 1973, pelo casal de mecenas suíço Philippe e Elvire Braunschweig, com o inefável apoio do famoso coreógrafo francês Maurice Béjart (1927-2007), incontestado “rei” da dança na Suíça, o entusiasmo da bailarina e pedagoga norte-americana Rosella Hightower (1920-2008) e a preciosa colaboração de Michael Wood, o então director da escola do Ballet Real de Londres (Royal Ballet).

Curiosamente, este que é um dos concursos de maior longevidade, começou por se afirmar no eixo Itália-França-Suíça-Bélgica-Alemanha e estendeu-se depois às Américas, Ásia, Austrália e Nova Zelândia. Nos últimos anos tem vindo a limar algumas arestas no que toca aos aspectos mais competitivos, que se foram alicerçando ao longo dos anos, tentando fazer sobressair a dimensão artística e humana de que a dança, jamais, poderá prescindir.

Depois de duas edições na vizinha cidade de Montreux (capital suíça do jazz) respectivamente em 2020 e 2022, e com uma intermédia em 2021 – realizada online devido aos especiais cuidados durante a pandemia -, o concurso voltou à sua casa de sempre, o (renovado) Teatro do Beaulieu, em Lausanne.

É claro que a Suíça é um país que tem dado provas ao longo de muitos anos, designadamente na segunda metade do século passado, de amar e apoiar a arte de Terpsícore de um modo consistente, inteligente e bem planeado. Como, basicamente, em tudo o que por lá se faz, seja a nível tecnológico, de gestão, financeiro ou comercial.

Com uma organização “cinco estrelas” e envolvendo avultadas verbas, ao longo de décadas tem-se procurado juntar em Lausanne o que de melhor se faz no Mundo a nível da pedagogia da dança, com uma missão clara: dar a conhecer jovens artistas e apoiá-los com bolsas e estágios profissionais, para que possam tornar-se nas “estrelas” de amanhã. Em meio século, tantos foram os que graças ao seu esforço, talento, perseverança, inteligência e dotes artísticos e intelectuais, saídos com prémios no PL, fizeram carreiras de grande sucesso.

A actual directora do certame, a antiga bailarina Kathryn Bradney, salientou em conferência de imprensa que a missão do concurso, para além de, em primeira análise, “premiar o talento” também acentua e promove a formação na saúde física e mental, porque a vida de um artista da dança é, geralmente, muito curta. Além disso destacou a importância de outros factores e eventos associados que tornam o PL um evento tão positivo e singular, designadamente aulas gratuitas e bolsas para estudantes suíços, um Curso de Verão (com abrangência europeia de 6 a 11 de Julho, próximos) e prémios de criação. Lembrou que existem 38 escolas – a Artística de Dança do Conservatório Nacional (EADCN), de Lisboa, é uma delas – e outras tantas companhias associadas a um concurso que se pretende inclusivo (há variações de dança contemporânea que são deliberadamente desempenhadas por raparigas e por rapazes) e que é aberto a todos. As candidaturas são apreciadas anonimamente e, algumas vezes, a organização suporta financeiramente quem não tem condições para se deslocar à Suíça.

Por casualidade, têm aparecido cada vez menos jovens russos – provavelmente porque não costumam ter o nível requerido na dança contemporânea – e, infelizmente, este ano devido às circunstâncias que todos conhecemos não apareceram bailarinos ucranianos. A instabilidade política e financeira e, mesmo, a debilidade física e mental, agravada por uma nutrição deficiente, terão afastado os potenciais concorrentes.

Na mesma ocasião, o artista cubano Carlos Acosta, que recebeu a medalha de ouro do PL em 1990, salientou três importantes premissas na vida de qualquer estudante de dança: primeiro o apoio dos pais, logo depois a atenção dos professores e coreógrafos e, finalmente, o carinho do público. Sem eles não há sucesso possível numa carreira tão exigente. O extraordinário bailarino que saiu de Cuba para o Mundo, através do PL, falou das três filhas, da sua história de vida em criança e adolescente e de como o prémio em Lausanne – e o consequente financiamento -, alavancou a sua carreira internacional, tendo chegado a director do Birmingham Royal Ballet. Num mesmo registo, o vencedor de 1977, Jean-Christophe Maillot, director artístico e coreógrafo residente dos Ballets de Monte Carlo, lembrou como o concurso lhe mudou a vida, como lhe proporcionou uma carreira internacional e como tem visto evoluir o próprio certame nos anos em que tem sido presidente do seu júri. Acrescentou, a finalizar, que o prestígio do PL faz com que cada ano que passa haja cada vez mais fundações, organizações e mecenas (alguns anónimos) a financiar as potenciais carreiras de futuros bailarinos. E que “Lausanne é uma boa tomada de temperatura do nível do ensino da dança no Mundo” e também uma janela “muito útil para coreógrafos e directores de companhias descobrirem jovens talentos”. 

PRÉMIOS

Depois de uma exaustiva semana de eventos vários, com aulas, ensaios, sessões particulares de aperfeiçoamento, exposições e exibição de filmes, em que os candidatos viram e experienciaram muitas coisas novas, foram, eles próprios, examinado à lupa. Este ano foram, inicialmente, vistos 429 adolescentes em vídeo, e deslocaram-se à Suíça 82, dos 87 bailarinos selecionados. Portugal fez-se representar com dois alunos do Conservatório Internacional de Dança Annarella Sanchéz, de Leiria, Pedro Marques de 17 anos, natural de Aveiro, e João Xavier de 18, natural do Barreiro.

Porém, na final de 4 de Fevereiro, transmitida em directo pelo canal Arte, foram apenas 22 os concorrentes que foram desafiados a repetir uma variação clássica e uma contemporânea. Após a renhida competição, o intervalo foi preenchido com nada menos que quatro momentos singulares: a apresentação do casal português Margarita Fernandes e António Casalinho (laureado de 2021) no pas-de-deux Diana e Acteon; a revelação dos Prémios (de dança contemporânea para dois) Jovens Criadores – entre 34 raparigas e 21 rapazes que estudam nas escolas associadas ao PL, tendo a distinção ido para Elena Dombrowski e Aleisha Walker; o solo do coreógrafo espanhol Goyo Montero para Casalinho, intitulado Rangendo os dentes, a peça para 24 bailarinos, Bold, também de Montero e, finalmente, o Prémio de Carreira atribuído a Carlos Acosta.

É de notar que a EADCN fez-se representar por Teresa Abreu, de 17 anos natural de Sintra, que integrou o elenco de Bold.

No topo da lista dos laureados de 2023 surgiram Millán de Benito, de 15 anos (Espanha) e Fabrizzio Cornejo, de 16 anos (México) – que estuda em Basel (Suíça) -, com mais nove bailarinos que receberam bolsas de estudo para escolas de prestígio internacional.

 

 

 

 

FOTOS: António Laginha

Published by Antonio Laginha

Autoria e redação

António Laginha, editor e autor da maioria dos textos da RD, escreve como aprendeu antes do pretenso Acordo Ortográfico de 1990, o qual não foi ratificado por todos os países de língua portuguesa.

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