“Corpo Incerto” (Uncertain Body), da autoria de Isabel Galriça, é um conjunto de curtas coreografias cujo tema é o sofrimento causado pela doença de Alzheimer, com a ideia de exprimir a dor e o drama que atinge a mãe da bailarina solista da Companhia Nacional de Bailado (CNB) e, em simultâneo, desmistificar uma espécie de “vergonha” associada ao paradigma dos sintomas daquela enfermidade.
“É uma homenagem à minha mãe” e “uma viagem através do movimento da mente”, referiu a artista, compostas por cinco secções, na sua maioria solos. Tanto Isabel como a mãe nasceram no dia 21 de Setembro, que é também o Dia Mundial da Doença de Alzheimer, instituído pela Alzheimer’s Disease International (ADI), entidade que reúne cerca de uma centena de associações em todo o mundo para apoiar doentes e familiares.
É a primeira coreografia que Isabel criou até hoje, depois de vinte anos a trabalhar na referida companhia para onde entrou ao terminar os estudos na Escola de Dança do Conservatório Nacional.
O impulso para coreografar “Corpo Incerto” surgiu na sequência da experiência com a mãe, de 74 anos, que desenvolveu a doença há cerca de quatro anos. A família, sobretudo Isabel e o pai, têm acompanhado com grande angústia o agravamento da perda das suas faculdades cognitivas.
“Um adulto volta a ser uma criança”, refere a bailarina, que conhece bem o problema que já atingira a sua avó e que a vitimou e agora atinge a mãe. Por tal, na sua percepção, existe uma elevada probabilidade de Isabel vir a sofrer da mesma enfermidade. Embora existam medicamentos que atrasem o evoluir da doença – a forma mais comum de demência – não existe uma cura para a perda de funções cognitivas (memória, orientação, atenção e linguagem), causada pela morte de células cerebrais. O nome desta condição vem do médico Alois Alzheimer, o primeiro a descrevê-la, em 1906.
Isabel Galriça quis, assim, abordar a situação familiar na sua própria linguagem artística para homenagear a mãe e, de certo modo – desmistificar a doença: “Existe uma vergonha de procurar ajuda e de aceitar a doença. É muito difícil todo o drama emocional, a luta interior de querer recordar, o próprio esquecimento. Criar esta coreografia foi a forma que encontrei de exprimir a minha dor. Dedico-a, pois, à minha mãe”, afirmou a bailarina, que já trabalhou com coreógrafos como Anne Teresa de Keersmaecker, William Forsythe, Mauro Bigonzetti, Rui Lopes Graça, Paulo Ribeiro e Olga Roriz.
“Corpo Incerto” é composto por cinco coreografias, três solos já concluídos – num deles, Isabel dança enrolada numas tiras que lhe prendem os movimentos do corpo – e outras duas, ainda não finalizadas, que serão dançadas por um bailarino, que representa a figura paternal. As peças “representam momentos e estados de pessoas com a doença de Alzheimer e também de quem as rodeia”. Nelas são explorados “sentimentos, lembranças e vivências, criando um estudo pessoal e biográfico do movimento”, segundo a criadora.
Isabel Galriça quer “chamar a atenção da sociedade para esta doença, que necessita de mais apoios fora dos grandes centros urbanos”. A Associação Alzheimer Portugal, com sede em Lisboa, possui delegações no centro, no norte e na Madeira, e núcleos de apoio em Coimbra e Aveiro, além de promover projectos e grupos de suporte em todo o país.