Que a Companhia Nacional de Bailado (CNB) há muito que não tem rei, nem rumo e nem roque já não é novidade. E isso veio a confirmar-se com o programa “inventado” por Luisa Taveira para comemorar o Dia Mundial da Dança, no desterrado Teatro Camões.
Se depois de “Romeu e Julieta” (de John Cranko que já existia, há várias temporadas, no reportório) o padrão que a companhia irá, doravante, adoptar sob a batuta da nova directora, passa por “Uma Coisa em Forma de Assim”… então estamos conversados!
Neste seu inusitado retorno – outra vez pela desastrada mão de Jorge Salavisa e do governo PS – a uma companhia em que nada de positivo fez antes de, há uns anos, ser inesperadamente despedida, Taveira traz agora consigo a experiência de “programadora” do Centro Cultural de Belém (CCB), onde se refugiou por largos anos. Num programa-salada russa-de-coreógrafos teve a ideia de juntar, basicamente, “tudo o que mexe em Portugal” e, qual cereja em cima da tarte de frutas, convidou a sua ex-colega do CCB, Madalena Vitorino, que tem por lema o costume de trabalhar com amadores. E o resultado não podia ter sido melhor: um programa de solistas em que, na verdade, quem brilhou, foi o pianista-compositor Bernardo Sassetti. Coisa que, aliás, acabou por não estranhar pois foi ele que forneceu a linha para coser os “retalhos” de uma manta que pouco aqueceu.
O programa, cujo título foi roubado a um texto de Alexandre O’Neill, começou com um banalíssimo e desinteressante “exercício” pouco cinético de Vitorino que, como já é habitual, se pode resumir a “qualquer coisa em forma de nada”. Ao som de uma peça de contornos “cagianos” (embora o piano não estivesse “preparado” à John Cage) tudo passou por uns bailarinos a entrar, a esbracejar, a correr e a arrastar-se pelo solo, num palco descarnado. Com uns fatos de gosto mais que duvidoso e que fez parecer um encontro de bailarinos numa festa de Carnaval, surge um deles a dizer umas coisas ininteligíveis numa qualquer língua estrangeira e outros a olhar através de tesouras como se fossem umas lunetas. Um expediente algo infantil que acabou de não deixar qualquer rasto, tendo os artistas saído discretamente pelos fundos deixando Sassetti a improvisar em palco. Esta peça de grupo que, inicialmente, estava destinada a terminar o espectáculo e passou para a abertura, conseguiu a proeza de acabar sem ser aplaudida!
De seguida, Peggy Konik e Miguel Ramalho, envolveram-se num bem trabalhado mas previsível dueto assinado por Vasco Wellenkamp, o anterior director da CNB. Com laivos de sentimentalismo e possessão, a peça mais parece um conjunto de delicadas variações sobre um tema. Tema esse que, como muitos sabem, parece ser recorrente nos trabalhos do coreógrafo. Paulo Ribeiro foi o responsável por um quarteto, algo bidimensional, que trouxe um pouco de humor à pesada e um pouco densa função em palco. Manipulando linhas e vestidos de negro, três bailarinas e um bailarino, brincalhões e descontraídos, acabam a massajar-se uns aos outros, estendendo esse visível prazer ao próprio pianista!
Rui Lopes Graça concebeu um encontro algo improvável entre dois corpos dos belíssimos Yurina Miura e Carlos Pinillos. Esteticamente muito estimulante faltou, contudo, ao dueto vibração e entusiasmo, apesar de uma dança sensual e vigorosa. Ainda mais desfocada foi a coreografia de Francisco Camacho para Ricardo Limão e Samuel Retortillo. Com uns figurinos estranhos, um rapaz parece, repetidamente, manipular o outro enquanto vão explorando as idiossincrasias de cada corpo. Rui Horta também não foi mais feliz nesta sua incursão na CNB. Logo de começo Marta Sobreira entra em cena a arfar para um microfone. Um truque já muito visto com que, no passado, Pina Bausch muito espantou as audiências. A bailarina que se arrastou pelo chão e fez umas poucas habilidades, defendeu o melhor que pôde uma peça inócua e sem história, tendo o coreógrafo desperdiçado uma boa ocasião para trabalhar com bailarinos de primeira água! Benvindo Fonseca aproveitou bem o talento e o movimento cheio e convincente de Vera Alves e Tomislav Petranovic. Sem apresentar nada de novo relativamente à sua obra (ou, mesmo, a tudo o que Wellenkamp coreografou para a CNB) o dueto perdeu-se no meio de uma sucessão de estados de alma mais ou menos ininteligíveis. Olga Roriz também esteve longe das suas melhores produções, apostando num solo completamente “bauschiano”, com Ana Lacerda a insinuar-se em cima de sapatos de salto e envolta num pesado casaco de peles. Para além de um trabalho pouco estimulante, tratou-se de uma peça de dança-teatro, sem muito movimento, parecendo algo fora do contexto. Ainda que a primeira bailarina da companhia a tivesse defendido com alguma autoridade e carismática presença.
A noite terminou de um modo leve e algo sorridente com a obra mais bem conseguida de toda a soirée, engendrada por Clara Andermatt. Sem ser um proposta ambiciosa, tratou-se de uma espécie de brincadeira em que interagiram Irina Oliveira, Shang-Jen Yuan e… Bernardo Sassetti , revelou-se a peça mais focada e que funcionou como epílogo de uma proposta fragmentada que nunca chegou a ter um clímax, nem, mesmo, um qualquer fio condutor.
Apesar de tudo, o público – muito diferente do que, normalmente, costuma frequentar o teatro azul da Expo – saiu agradado com o que viu tendo aplaudido de pé os artistas que já se preparam para uma nova criação de Olga Roriz – “Noite de Ronda”.