Agora que Jorge Barreto Xavier – que lhe renovou o contrato – (felizmente) desapareceu de cena, é tempo de perguntar o que é que está a fazer Luisa Taveira, há anos, à frente da Companhia Nacional de Bailado (CNB)!
Se Jorge Salavisa fez o que fez, a sua “discípula” consegui a proeza de piorar o que já era deplorável e gastar despudoradamente o dinheiro dos nossos impostos em aventuras inconsequentes e despesistas sem qualquer impacto positivo nem um rasto minimamente luminoso. A apatia dos espectadores no final da estreia de “Morceau de Bravoure” (número de virtuosismo, em português) no Teatro Camões, demonstra bem o estado de desorientação estética e técnica de um grupo muito depauperado, física e espiritualmente. Numa companhia em que metade dos bailarinos assinam o ponto e não dançam regularmente, ao menos o reportório poderia ser minimamente convidativo evitando que o público entrasse e saísse do teatro com ar de que tem vontade de se atirar ao rio. Mas não, Taveira parece mais preocupada com a poesia do que com o movimento e em se mostrar “cool” (ou será pretensamente “elitiste” e “branchée”) transformando a sua programação numa espécie de continuada “poesia” do inconseguimento. Inovar é necessário e importante, apostar na inquietação e no risco também, mas a aventura tem, seguramente, os seus locais de jardinagem.
Na temporada passada Luisa Taveira inventou um estéril “casamento” da poetisa Sophia (de Mello Breyner Andresen) como o desfalcado reportório do grupo. Este ano trocou de noiva e trouxe para o Parque das Nações a “anatematizada” Adília Lopes, para mais um bizarro enlace.
Com coreografias de clássicos de qualidade bastante duvidosa, como é o caso de “A Bela Adormecida” de Ted Brandsen/ António Lagarto, a apresentar ao longo do mês de Dezembro no São Carlos, ou da inenarrável versão do “Quebra Nozes” de André Teodósio/Fernando Duarte – que custou uma fortuna e foi directamente para o baú do esquecimento – a CNB tem recorrido, com Taveira, a encenadores para “revitalizar” (ou testar) a arte da dança, mas os resultados estão à vista. O bom exemplo de Pina Bausch que, há 40 anos, inteligentemente, alargou fronteiras sem, contudo, deixar de valorizar o poder da dança não lhe serve de matriz e, em “Morceau de Bravoure”, até nos esquecemos que existe um coreógrafo na parada! Também as prestações dos bailarinos – que se esforçam por manter um pouco de dignidade profissional em cena – são para esquecer. Já que não passam de sucessões de “fait divers” descabelados e de graçolas inconsequentes, no meio de uma deliberada algazarra sempre com o ar de grande azáfama teatral. Para além de uma espécie de ridicularização das grandes tiradas teatrais com monólogos e excesso de pose, por quatro actores e um cão ao lado de duas dezenas de bailarinos, tudo não passa de uma incomodativa e longa catadupa de palmas (em off) sobre a qual algumas situações mais ou menos insólitas vão acontecendo, seguidas de um frágil encadeamento de números musicais como se se tratasse de uma peça (infantil) de Filipe La Féria. Que ainda deve estar na memória de Taveira nos tempos em que, em fim de carreira, dançou no Teatro Politeama. Só que a “Maldita Cocaína” era, de longe, bem mais interessante que esta “francesice” sem qualquer bravura. E quando chega na hora de copiar musicais, La Féria fá-lo com muito talento! O encenador (Paulo Lages) ainda convoca um trepak – o trio masculino do “Quebra Nozes” – e aposta nuns laivos das clássicas “Águas da Primavera”, mas isso parece tão extemporâneo aos olhos do espectador como a série de canções dançadas, cantadas e gritadas pelos bailarinos da CNB e que preenche a metade menos aborrecida do espectáculo.
Diga-se, em abono da verdade, que o “show” começa muito bem, nos momentos finais de um qualquer espectáculo com os respectivos aplausos, mas que nunca chega a fazer “rewind”. E com uma bela pirâmide humana a deitar fumo que resulta numa imagem poderosa e colorida, mas que se desfaz e deixa nada em seu lugar. A peça mistura bailarinos que começam como figurantes e acabam a abanar os glúteos para os espectadores, e cujo momento mais intrigante é quando um artista desfalece e fica deitado em cena até ao fim do espectáculo. Curiosamente essa poderia ter sido a “chave” do espectáculo, porém, se o encenador em vez de em Shakespeare tivesse procurado inspiração em Agatha Christie, talvez tivesse ido além de um desenrolar de “lugares comuns” previsíveis e sem grande imaginação histriónica ou cénica.
Com o (dramático) encerramento há dez anos do Ballet Gulbenkian a CNB adquiriu forçosamente o estatuto de primeira companhia – e única – no nosso depauperado panorama artístico, com verbas regulares do Estado e um mecenato da EDP que, em tempos, o ministro Carrilho terá obrigado aquela empresa – agora chinesa – a despender, a troco sabe-se lá de quê! Como companhia nacional, a CNB, devia, no mínimo, promover espectáculos que tivessem mais conteúdo do que uma canção das “Doce” e, acima de tudo, zelar pela exibição regular de algum tipo de reportório “nacional”, tornando-se guardiã daquilo a que se poderá chamar a memória artística terpsicoreana de uma nação.