CNB E O PORTUGAL QUE (JÁ NÃO) DANÇA

CNB E O PORTUGAL QUE (JÁ NÃO) DANÇA

A nova invenção da já velha directora da Companhia Nacional de Bailado (CNB), engendrada por Aldara Bizarro, dá pelo nome de “Especialistas” e viu o fim dos seus dias no Teatro Camões no dia de S. Martinho, após três apresentações com cerca de uma hora cada.

A peça, cujo título nos remete para um universo algo afunilado (e com uma certa dose de mistério à mistura) parece ser destinada a crianças e adolescentes e sobre a “memória do corpo”. Mas não serão todas as peças coreográficas dançadas sobre memórias que o corpo armazena e recupera na hora da exibição dos próprios artistas? Até mesmo as peças totalmente improvisadas são, frequentemente, um repositório de vivências mais ou menos físicas – e que se pretendem artísticas – temperadas com estímulos aleatórios e, por vezes, buscando algum poder de comunicação.

Posto isto, deve-se acrescentar que as assinaladas (no programa) “componentes sociais e pedagógicas” com que Aldara Bizarro “tem vindo a trabalhar em projectos que cruzam a dança com outras linguagens” ficaram pelo caminho reduzindo-se “Especialistas” a uma sequência mais ou menos ingénua de curtos jogos – de toca e pára – em que os bailarinos vão fingindo que se divertem, quer seja a andar, a correr, a saltitar ou a galopar – a solo ou em grupos, em uníssono ou em cânones – fazendo da dança um lugar convivial. Coisa que Paul Taylor, com a sua maravilhosa “Esplanade” (1975) conseguiu na perfeição com movimentos básicos do quotidiano embalados por cinco movimentos do belo Concerto para Violino nº 2 de J. S. Bach.

Limitados a um pequeno rectângulo claro, sobre o escuro e amplo palco do Teatro Camões – em que os espectadores se sentaram no fundo do proscénio em três filas de frente para as cadeiras vazias da plateia – uma dúzia de bailarinos, que já não dançam ou que estão em vias disso, tentaram mostrar a miúdos, adolescentes e graúdos como a frustração deve encolher quando o corpo começa a alargar. Utilizando umas sequências “macaqueadas” de excertos de obras como “O Lago dos Cisnes”, “Serenade”, “O Quebra-nozes” e outras, ao som de um metrónomo, como se estivessem a evocar numa “versão light” coisas que, alguns deles, até nem sequer dançaram! Note-se que havia dois homens (que, obviamente, nunca dançaram o II acto do lago) para nove mulheres no elenco.

Perante tal “proposta”, as crianças mais soltas – quase todas filhos de elementos da CNB – brincavam indiferentes ao que se passava em cima do rectângulo em que os adultos tentavam dar sentido a um material coreográfico pobre, desinteressante e com a “criatividade” de uma receita culinária! Aliás, desde cartazes medonhos a conferências sobre “os medos” na CNB, actualmente e como na farmácia, há um pouco de tudo. Menos uma programação atractiva e consistente, histórica, estética e eticamente comprometida com um país que precisa dançar com brio e sentimento.

Em resumo, se a direcção do OPART e da CNB ainda há pouco “censuraram” o projecto de Bruno Cochat também vindo do tempo da antiga directora – cujo trabalho de décadas nunca ficou atrás do de Aldara Bizarro – bem podiam ter dado o mesmo destino a estes “Especialistas”, cujo posicionamento no reportório da CNB, certamente, “não adiante nem atrasa”. Ainda assim, a maior qualidade de mais um acto falhado em termos de espectáculo, é ter sido feito com “roupa de ensaio” neutra, escura e pobrezinha. E, por tal, resultou bem mais económico que o resto das obras encomendadas, nos últimos anos, por Luísa Taveira e cuja lamentável qualidade as remeteu directamente para o malfadado “baú do esquecimento” que todos nós pagámos mas, infelizmente, não desfrutamos!

Published by Antonio Laginha

Autoria e redação

António Laginha, editor e autor da maioria dos textos da RD, escreve como aprendeu antes do pretenso Acordo Ortográfico de 1990, o qual não foi ratificado por todos os países de língua portuguesa.

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