Sergei Filin, deu entrada num hospital moscovita com queimaduras graves no rosto após ser atacado com um líquido não identificado, presumivelmente algum tipo de ácido, segundo informaram as autoridades russas.
O ataque aconteceu durante a madrugada no centro da capital russa, onde “uma pessoa não identificada lançou um líquido no rosto da vítima”, segundo o Ministério do Interior, citado pela agência “Interfax”.
O “Canal 1” da televisão russa revelou que os médicos estão preocupados com a vista de Filin, já que olhos foram muitos atingidos. A equipe que cuida do artista estima que ele necessitará de pelo menos seis meses para se recuperar das queimaduras.
Os colegas de Filin no lendário teatro russo, um dos mais importantes do mundo, relacionam o ataque com a sua actividade profissional e problemas de direcção.
“O Sergei sempre esteve ameaçado, desde que assumiu o cargo. Antes de sua chegada, os seus antecessores também eram pressionados. Nunca tínhamos pensado que a guerra pelos papéis principais nos bailados, não pelo petróleo ou por propriedades, pudesse chegar a este extremo criminoso”, lamentou a assessora de imprensa do Teatro Bolchoi, Katerina Novikova.
Alguns deles também mencionaram que alguém furou os pneus do seu carro na véspera do ataque. Além disso, asseguram, a vítima era objecto de constantes ligações telefónicas ameaçadoras.
A polémica e os escândalos perseguem o Teatro Bolchoi, uma das pérolas das artes cénicas russas – juntamente com o teatro Maryinsky, de São Petersburgo – cujo lendário palco esteve fechado para obras durante seis anos e reabriu em Outubro de 2011.
EFE
“Vidros nas sapatilhas, colchetes que desaparecem de vestidos antes do espetáculo, agulhas no arranjo de cabelo, tudo isso eu sei que acontece, mesmo parecendo exagero”, diz a bailarina brasileira Mariana Gomes, 24.
“Já vi muita coisa e já perdoei muitos casos deste tipo, mas, dessa vez, não”, afirma, sobre o ataque contra o diretor artístico do Ballet Bolchoi, Sergei Filin, 42, atingido por ácido sulfúrico no rosto.
Em depoimento à Folha de São Paulo, a bailarina fala sobre a rivalidade que culminou com a agressão e sobre o clima nos ensaios do grupo.
“Temos pavor de pensar que pessoas como essas podem estar no nosso camarim, podem estar dançando valsa comigo em algum acto de algum bailado.”
Atacado em frente ao prédio onde mora, no centro de Moscovo, Filin sofreu queimaduras de terceiro grau no rosto e na córnea, mas os médicos afirmaram que o ex-bailarino não corre risco de perder a visão.
“O teatro é um meio cruel, onde a nossa carreira é curta, bailarinos são muitos, sonhos maiores ainda e o pior, ambição. Todos amam o que fazem, às vezes nos cansa, irrita, muita força, trabalho, suor e energia gastos e o retorno nem sempre corresponde ao esperado. Já vi bailarinos que se drogam, se alcoolizam, existem casos até que foram parar em manicômios durante turnês. Tudo isso acontece, e entendo bem o porquê estando neste meio. Já vi bailarino andando na rua de tarde, na hora do almoço, e cumprimentando pessoas na rua como se estivesse representando no palco o papel do dia de gladiador. Já vi muita coisa e já perdoei muitos casos deste tipo, mas, dessa vez, não. Não entra na minha cabeça tamanha ambição. Esse exagero é o reflexo do que vem acontecendo com os artistas ali dentro, é o auge, o que faz todo mundo pensar no que está acontecendo. Uma tragédia: Sergei nos últimos dias não enxerga e reage somente a luz, claro e escuro –foi a última notícia que tive dele.
Frequentamos igrejas, acendemos velas, os ensaios começaram com mensagens e choro. Temos pavor de pensar que pessoas como essas podem estar no nosso camarim, podem estar dançando valsa comigo em algum ato de algum balé. Quando cheguei ao teatro Bolshoi, sete anos atrás, Sergei Filin ainda era primeiro bailarino. Lembro quando dancei o balé ‘Cinderella’ e ele descia a escada do segundo ato no baile sentado no corrimão, escorregando, e a plateia gritava: oooooh! Realmente, técnica, beleza, carisma de causar espanto e, obviamente, inveja.
Anos depois, ele foi diretor do Teatro Stanislavski, segundo maior teatro de Moscou, e chegou como diretor do Bolshoi no auge, com a reabertura do palco histórico, em outubro de 2011. Cargo muito concorrido, antes ocupado por Yuri Burlaka e Alexei Ratmanski. Mas nenhum desses diretores sofreu tal pressão de artistas, imprensa e público. Sergei chegou no momento em que o teatro explodiu, com transmissão on-line e em cinemas, abertura do palco, grandes turnês e muito sucesso.
No meu primeiro ano de Bolshoi, ainda sem falar muitas palavras em russo, lembro que recebi comunicado do teatro de que eu deveria pagar taxa equivalente a US$ 200 para me registrar na cidade legalmente. Eu, estagiária na época, sem salário, chorava no restaurante do teatro sozinha, quando Sergei, aquele primeiro bailarino, príncipe, chegou até mim e perguntou o que havia acontecido. Pela primeira vez alguém tinha tentado falar inglês comigo. Eu contei a situação e ele me disse que resolveria. No dia seguinte, fui chamada ao caixa do Bolshoi, recebi o valor e assinei um recibo de ‘ajuda de custo’. Nunca esqueci isso. Depois de anos de trabalho, ao saber que este Sergei Filin seria nosso diretor, fiquei realmente contente. Mesmo sabendo que ele não se lembra dessa história.
Só o que posso fazer é rezar por ele e pelos artistas que amam sua profissão e realmente estão perdendo a noção dos valores da vida. Rezo por essas pessoas que vêm transformando sonhos em pesadelos. Rezo para que esse templo Bolshoi continue sendo um ambiente de paz antes da concorrência, de arte antes do crime. E, com esses sentimentos no coração e lágrimas nos olhos, os espetáculos continuam e nunca vão parar, pois o dever do artista é acalmar e encantar o público, mesmo que por dentro do sorriso esteja mergulhado em dores, dúvidas e medos.”
Filin dançou em Portugal duas vezes, primeiro no Teatro da Trindade (Lisboa), em 1992 integrado num grupo de Estrelas do Bolchoi e, em 2003, no Coliseu dos Recreios, à frente do Ballet de Novosibirsk-