Sem pompa, apesar de incluído num festival – o InShadow, 4º certame internacional de vídeo, performance e tecnologias -, nem circunstância e com um impacto muito reduzido, estreou-se em Portugal a Companhia de Philippe Saire.
É claro que uma peça para três bailarinos, metidos dentro de um “poço quadrado” não poderia ser representativa de 26 anos de trabalho de um coreógrafo que já conta no seu curriculum com 27 criações no grupo suíço que já realizou mais de 1000 espectáculos em cerca de 160 cidades da Europa, Ásia, Médio Oriente, África e América.
Esta é uma “performance” que, à semelhança de muitíssimas outras, mostra como o primado da ideia sobre a invenção coreográfica e do controle do espaço sobre o ímpeto dinâmico domina a cena da “dança” dos nossos dias. Também se tem-se descartado, na maioria dos casos, a abstracção (tão cara aos puristas da dança) em favor de temáticas, mais ou menos interessantes, que, na maior parte das peças, resultam em desenvolvimentos dramatúrgicos que partem da palavra e do gesto e neles se fixam, quase em exclusivo. Até porque uma esmagadora maioria dos trabalhos cénicos conotados com a arte de Terpsícore, hoje, apresentam uma hibridez que os afasta definitivamente de qualquer catalogação. Daí que se chame de “cruzamentos” e “linguagens multidisciplinares” – entre muitas outras designações mais ou menos objectivas e mais ou menos apropriadas – a obras que, em muitos casos, até são feitas por “jovens” sem grande preparação técnica (e nenhuma) em movimento.
Em relação ao evento concebido pelo coreógrafo de Lausanne – que se desenrolou num espaço restrito em cima do palco do velho Teatro S. Luiz, com não mais que uns 40 espectadores por sessão debruçados sobre quatro peitoris – a ideia subjacente ao espectáculo “Black Out” era, segundo o programa, “incorporar o espectador numa relação sensual, quase física e táctil com a coreografia”.
Começando pela coreografia, como escrita de movimento, ela diluiu-se, basicamente, num esquema de tarefas em que os intérpretes se engajaram ao longo de quase uma hora. O chão começou por ser alvo e as paredes negras, vendo-se os intérpretes a uma curta distância (mesmo debaixo dos narizes dos espectadores) a contorceram-se no solo ou presos a uns escassos esquemas de movimento, como três animais enjaulados. A pouca distância cria no público uma espécie de intimidade com tudo o que acontece. Até porque a perspectiva é muito diferente da habitual em outros espectáculos. A pouco e pouco, uma espécie de gravilha preta tomba, sucessivamente, de várias caixas no tecto e é espalhada pelo chão. Os três jovens intérpretes, que, inicialmente, aparecem em cuecas (ela com mais uma peça a cobrir os seios) acabam por se vestir de negro para, depois de fazer uns desenhos com pás, acabar por se misturar completamente com uma estranha massa de breu. A qual já fora utilizada na peça “Cowboy Solitário”, uma dança para seis homens.
Apesar de surgirem em trajos menores a sensualidade não foi, de todo, uma das qualidades da peça já que os artistas quase nos dão a impressão de se envolverem em rotinas próprias de uns meros trabalhadores na construção de estradas. Também não parece existir qualquer tipo de questionamento em relação, por exemplo, à identidade de género, pois a relação entre os intérpretes é pacífica e informal.
Os efeitos musicais e, sobretudo, sonoros completam a paisagem e sofisticaram a obra, tendo, por fim, alguns espectadores saído com a estranha sensação que a ideia de Saire (num espaço tão controlado e algo claustrofóbico, criou expectativas mas, ficou-se pelo… chão!